Vontades mecânicas
Não suporto quando o silêncio dos inocentes enclausurados é sufocado em suas alcovas. Um silêncio orquestrado pelo som do proibido e do perigo. Como suportar essa solidão compartilhada, cada um em seu mundo, e a rotina parada? Essa prisão sem grades ou amarras, que aprisionou o amante e a amada. As juras de amor adiadas, as palavras jogadas na gaveta de uma escrivaninha empoeirada, e algumas folhas amassadas. As histórias foram cruzadas, fragmentadas e descontinuadas, não há o que se falar em garantias. A temperatura da paciência está em ponto de ebulição; talvez, uma taça de prosecco ou Champagne, uma caipirinha ou rosca, uma lapada de caninha da roça ou coca-cola esfrie a cabeça. Tudo muito louco, solto, absorto; sem sentido. A derme não tem mais cheiro de perfume, é só álcool em gel e sabão. Até a reserva no leito do casal está contra-indicada, pois aquela lingerie devassa e descarada foi roída pela traça. De repente, a vida virou quadrante de lente desfocada. E, sem roteiro, as cenas são gravadas com ar comprimido.Toda reação parece mecânica; uma direção de consciência coletiva. É a síndrome da confusão horizontal, onde todas vontades foram confinadas. Não é normal suportar tudo isso, quando poderia relaxar o corpo, beijar na boca, sorrir à toa e virar o mundo pelo avesso.
P.S.: Roubei do nobre cavalheiro, Dartagnan, a terminologia lapada. Obrigada, poeta querido!