GUARIBA OU GUARIDA?
GUARIDA OU GUARIBA?
Causos Amazônicos
Autor: Moyses Laredo
Como de costume, nas comunidades onde moram seringueiros, chamadas de “colocação”, lugares onde habitam um pequeno grupo de seringueiros, que cortam as várias estradas de seringas. Não existe nenhuma diversão, a sangria das seringueiras ocorre sempre durante a noite onde o leite sobe e é forte, e de dia, defumam as pélas de borrachas. Como lazer, as pessoas se reúnem à boca-da-noite (noitinha) para ouvir os “alôs” (mensagens) das rádios AM de Manaus. Acontece que sempre é bom ouvir as tais mensagens quando se está em grupo de vários vizinhos, assim fica mais movimentado por causa dos comentários que surgem após os noticiários. Sempre, como as que tratam de alguns acontecimentos como aniversários, casamentos, morte etc. são as mais agitadas. Neste dia, estavam todos reunidos por volta da sete da noite, no terreiro da casa do compadre Raimundo, no Seringal Curva do Rio, na “colocação” Oco-do-mundo, pois era o único da redondeza que tinha um rádio à pilha, o bicho “pegava longe que só ele” como dizia a todos, se gabando do “radinho” como chamava, era seu xodó. Botava o danado na janela do barraco sempre na hora exata dos tais alôs, à boquinha da noite, era mais preciso do que estabelecer hora, porque ninguém tinha relógio mesmo. O pessoal gostava, porque também o cumpade era gente boa, lá pelas tantas, servia uma rodada de café torrado em casa, ralo, mas quentinho, dizia que era para não dá sono, mas sua sogra, quem levava a bandeja com o bule de café, dizia baixinho a todos, -“Que nada ômi, é pra render mais”.
Neste dia como de costume, o povo vinha se abeirando e se acomodando como dava, uns ficavam de cócoras, outros escorados na cerca, ou em tronco de cuieiras, mas cada um no seu canto, depois imperava o silêncio, todos com muita atenção ouvindo os tais alôs, por causa da escuridão da noite, não se via quase ninguém, só se ouvia, uma tosse curta e seca, ou o braseiro de uma ponta de cigarro de palha porronca ou quebra peito, sendo aceso, ali outra acolá, como se fosse um bando de vaga-lumes, mais era só isso e mais nada, o resto era barulho dos bichos da mata mesmo.
As mensagens transmitidas eram as mais diversas, se o ouvinte da mensagem não se encontrava presente, quem ouvisse passava pra ele, e assim, todos ficavam sabendo. Eram do tipo assim: “Marialva do seringal sovaco da onça, para a colocação do “beiço manso” manda dizer que seu pai, foi atropelado, quebrou as duas pernas um braço, rachou a cabeça, mas passa bem, manda lembranças pra família, diz pra Nezinha não deixar de ver a vaca “prenha” lá no pasto alto, porque está pra pari”. A outra já dizia: “Maria das Dores, avisa que chega no motor “Comandante Pinheiro” na próxima quarta-feira, no porto do “Jão Bucão”, pede pra levar montaria de carga, pois leva muitas coisas pesadas” e assim, as mensagens eram passadas uma a uma.
No intervalo, o locutor contou um “causo” ocorrido em São Paulo, onde dizia: ... “- Em São Paulo, fez a noite mais fria do ano, chegou à marca de 6 graus...,” em seguida contou que naquela noite, um garoto de oito anos, saiu pedindo guarida nos hotéis, bares e restaurantes locais onde poderia se abrigar da noite fria e comer alguma coisa, entretanto, sem conseguir nada. Pela manhã, foi constatado que a criança havia falecido, estava dura de frio.
Os comentários começaram a surgir, a princípio uns cochichos baixinho depois mais acalorado e por fim um senhor, mais velho, começou a falar e todos se calaram para ouvi-lo, era o mais importante do grupo, era cunhado do ajudante, do auxiliar, do encarregado da limpeza do Município.
“- Mais que povo ruim esse de “Sum Paulo” hein? onde já se viu minha gente, como é que se deixa uma criança morrer por causa de um pedaço de guariba? (*) “todos balançaram a cabeça em sinal de completa desaprovação. Uns indignados discutiam alto, não aceitavam, diziam que esses paulistas não tinham coração, deixar uma criança morrer por um pedaço de guariba que aqui a gente dá a qualquer um que chegue na casa da gente, nem precisa pedir.
(*) Nessas “colocações” distantes, sempre se tem à mão um pedaço de guariba (macaco bugio, ou macaco uivador) defumado ou salgado, pendurado no esteio da varanda de chegada para essas emergências!! É só cortar em pedaços, jogar na panela do feijão que já é uma “mistura” (parte da proteína).