REINO ENCANTADO.
Na fazenda se acorda cedo, com as galinhas. O aroma gostoso do café logo chega às narinas, e um desejo incontrolável nos domina por inteiro. Coador de pano em uma armação de arame, simples assim. O fogão a lenha em brasas acesas. Lembro-me do meu pai ciscando com um pedaço de madeira as brasas vermelhas. “ O que o senhor está fazendo pai?”, eu perguntava curioso. “É nada não menino, é só batata-doce, quer uma?”. Eu aceitava, na verdade, ele sempre colocava a dele e a minha. Doces lembranças brincando com a memória.
No quintal de terra batida havia muitos pés de frutas, era um verdadeiro pomar. No começo do quintal, de frente a porta da cozinha tinha um pé de pitanga — coisa linda que era — na época de pitangas a árvore florida inteira, era bonito de se ver, as abelhas zunindo em volta das pequenas e delicadas flores, o perfume adocicado que emanava, ah! Meu Deus! Nesta mesma pitangueira ficava minha gangorra. Duas cordas amarradas em um pedaço de madeira. Ali balançando por longas horas. Era um mundo encantado que infelizmente ficou no passado. Doces lembranças bailando com os pensamentos.
Outra coisa memorável, que particularmente eu adorava, era a pescaria. Vara de bambu, anzol miúdo linha fina, uma lata com minhocas e um embornal pendurado de lado… Ô meu Deus, chega a doer o coração de tanta saudade. Nos fundos da nossa casa havia um pequeno rio, que em Minas Gerais chamamos de ‘ribeirão’, nem muito largo, nem tão curto, com lugares rasos e outros um pouco mais profundo. Era simplesmente perfeito. O cheiro do mato, os grilos e sapos cantando, eu iscar o anzol, jogava-o na água e esperava paciente. Tinha dias que a pescaria rendia bons peixes, 'Caras', 'lambaris', 'Bagres',
'Traíras', dentre outros. Doces lembranças correndo pelo riacho.
Na minha casa havia televisão, velha, preto e branco, cheia de chuviscos, porém, para nós, crianças parecia como um cinema. Assistíamos desenhos em meio aos chiados e imagens quase indecifráveis. A antena ficava no alto de um morro. Troncos de madeiras fincados no chão, cinco metros um do outro, uns dez no mínimo. Na ponta deles esticávamos três arames de alumínio até chegar ao último tronco, onde era ficado um cano de ferro de uns dez metros de altura, em sua extremidade ficava a antena. Funcionava, na medida do possível. Doces lembranças morro acima.
Meu reino encantado ficou no passado, confinado na fortaleza de meus pensamentos. Em dias como os que estamos vivendo, de pandemia, quarentena e isolamento, recorro às lembranças da infância. Fecho os meus olhos e volto a ser aquele menino de dez anos, correndo descalço no quintal de terra, subindo no pé de jambo e de abacate, brincando dentro da horta. O mundo não é mais o mesmo. Onde está aquele olhar inocente? A cidade grande me trouxe vantagens de alto preço. Acabei por descobrir que tendo todo o conforto da modernidade… Na verdade, é como se não tivesse nada. Foi-se meu reino encantado. Doces lembranças que trago nesta singela crônica, de um tempo que sei que não volta mais.