LITERATURA FLUMINENSE III
LEMBRANÇAS “PARISIENSES”
Nelson Marzullo Tangerini
Em crônicas anteriores, comentei sobre a amizade entre os poetas do Café Paris.
Não escreviam sonetos e trovas somente para as musas, mas também para os amigos da Roda: versos sentimentais ou satíricos, sem deixar de os saudar na ventura ou no sepultamento.
Quando o “parisiense” Olavo Bastos partiu, Benedito Angrense Brasil dos Reis Vargas [natural de Angra dos Reis, RJ, onde nasceu, a 4 de maio de 1895, e onde faleceu, a 22 de abril de 1985], mais conhecido na Roda do Café Paris como Brasil dos Reis, dedicou ao amigo este belo soneto, que ora publicamos:
OLAVO BASTOS
Meu grande Olavo Bastos, foi contigo
E dorme em tua mesma sepultura,
A alma dos menestréis de quem, amigo,
Foste a Fonte da Castália da ventura.
Nessa tua alma que sereno abrigo
Dava aos boêmios pela noite escura,
Que não releu como se deu comigo
Todo um poema de tédio e de amargura?!
Mas rias quando a dor te espezinhava
E em verso e em prosa de ouro desfazias
Teu talento que aos nulos obumbreava.
Teu nome que a urna de saudade encerra
Marcava o diapasão das harmonias
Das liras de ouro e luz de nossa terra.
Já o poeta satírico niteroiense Luiz Antônio Gondim Leitão [natural de Niterói, RJ, onde nasceu, a 25 de janeiro de 1890, e onde faleceu, a 4 de abril de 1936], mais conhecido na Roda como Luiz Leitão - ou Lili Leitão -, que, segundo Brasil dos Reis, inventou a moda dos epitáfios em trovas, despede-se do amigo à sua maneira:
“Quando Olavinho morreu,
os vermes Ai, de quem morre! -,
com bafo de tanto vinho,
ficaram todos de porre”.
Olavo Bastos nasceu em Niterói, RJ, em 1891. Na mesma cidade faleceu, em 1927.
Anunciou a preparação de um livro, Simbolismo nas artes, que não chegou a terminar.
Pretendeu cursar a Escola Naval, mas ficou reprovado no exame de saúde.
Segundo o poeta Lacerda Nogueira, Olavo se apresentava nas solenidades da Academia Fluminense de Letras de fraque, calças listradas, plastron [em português plastrom: gravatas largas, cujas pontas se cruzam obliquamente; petilho de camisa], e polainas brancas, atraindo para a sua pessoa a curiosidade geral.
De sua produção poética restaram apenas 4 sonetos, A uma dama loira, dedicados à senhorita Sulamita, irmã de Salomé, “a guilhotina de Niterói”, dama que arrancava suspiros dos “parisienses” Luiz Leitão e Nestor Tangerini [Piracicaba, SP, 23 de julho de 1895 – Rio de Janeiro, GB, 30 de janeiro de 1966]. As duas deidades, extremamente belas, eram filhas do educador fluminense Felisberto de Carvalho.
Eis aqui os 4 sonetos dedicados à Sulamita:
“A UMA DAMA LOIRA
I
Talhe de flor de ouro... és-me a aparência
De um marfim de Cellini ou de cristal,
Onde se martiriza a suave essência,
Fina, de um grande sonho passional.
Há nos teus olhos gestos de paciência...
Esperas?! Mas que esperas, afinal?!
Ao “décor” de ouro e rendas da opulência?
Um conde, um cavaleiro medieval?
Dói-me a tua tristeza... (Abre o arrebol
O véu da noite, comovio e terno...)
- Choras? Mas por que choras, flor de escol?
Piedoso, ante os teus olhos me prosterno...
Que pela primeira vez eu vejo sol
- Chorando entre crepúsculos de inverno!
II
Chorando entre crepúsculos... Louvada
Seja essa linda lágrima de dor...
Há um alívio para a alma endolarada
Que chora, e chora pelo seu amor.
Para o teu romantismo ideal de flor
De ouro, fidalga, principesca e amada
O pranto é um filtro purificador,
Um banho no Jordão – água sagrada!
Olhos roxos, e a gente, que desdouro!
Sofre, dilacerado de saudade,
Como eu creio qu sofras, flor de ouro!
Depois, ah! que ternura! ah! que piedade!
E a gente sente sobre a frente o louro
Do amor, do sonho de felicidade!
III
Virá? Mas quando? É já tão longa a espera,
Cansa-nos tanto os olhos a demora,
Que, doido, o coração se desespera
E, porrr connnsolo à grannnde pena, chora.
O tempo as horas doces aceleras,
Chega oprimeiro desengan, e agra,
O que foi esperança e foi quimera
É cinza e pó, uma ilusão de outrora.
E se algum dia, a um gesto nosso ocorre
O amor, o sonho de enternecimento
Batendo as assas de ouro, as assas finas,
Há um susto, e desse susto a gente morre,
Com a boca em ”ritus” de padecimento
E a saudade da vida nas retinas...
IV
Meu sonho de eternal felicidade
É tão leve, tão límpido, impreciso...
Nasceu, quem sabe? Na primeira idade,
De um afago, de um beijo, de um sorriso.
Um dia... um dia de serenidade
Esboça-se um perfil vago, indeciso,
Ganha a minha alma, toma vulto e a invade
A dama loira do meu Paraíso.
Logo depois desfaz-se em fugidias
Nuances e sombras trêmulas e voa
Deixando na alma a dor das mãos vazias!
E a gente pensa, olhando o céu risonho
Que, sendo vã, a felicidade é boa
E loira é a messe de outro lindo sonho.
Os sonetos aqui citados foram publicados nos livros Antologia de poetas fluminenses, de Rubens Falcão, Gráfica Record Editora S. A., Rio, 1968, e Os poetas do Café Paris, Clássicos Fluminenses, volume 9, organização e apresentação de Luiz Antonio Barros, Editora Nitpress, Niterói, 2014.