O CONSERTO DO APARELHO DE SOM AIWA

O CONSERTO DO APARELHO DE SOM AIWA

Autor: Moyses Laredo

Cheguei em Rio Branco em 1984, mas desde 1980 já viajava por lá a serviço do BNH, entretanto, em 1984 vim de vez com malas e cuias para assumir a gerência do BNH em Rio Branco, que funcionava na esquina da Major Gabriel com a Rui Barbosa, no prédio do Dr. Labib.

Na mudança, trouxe comigo meu xodó, um conjunto de som AIWA muito lindo, era um rack com portas de vidro fumê que abrigava o rádio (tuner), toca-fitas e toca-discos e caixas de som. Todos separados, só que tinha um defeito no rádio, ele simplesmente não funcionava. O conjunto, era uma coisa rara, era linda e elegante. O frete custou muito caro, tive que pagar também um seguro alto. O detalhe é que a Assistência técnica que atendia essa marca em Manaus, condenou o tuner disse que não tinha mais solução porque havia danificado o sistema eletrônico do aparelho e coisa e tal, e olhe, a empresa que prestava o serviço de assistência técnica possuía uma oficina sofisticadíssima, até engenheiro eletrônico em sua equipe possuía, só me restava substitui por outro ou ficar sem o rádio. Como não queria destoar o conjunto, mantive o Tuner apenas como enfeite porque rádio mesmo, nada! Assim desse modo, veio junto comigo.

Depois de me instalar, casa nova e tal, um dia, passando pela Av. Ceará, esquina com Av. Getúlio Vargas, no centro da cidade, vi um casebre de madeira pintado de preto, coberto com telhas de zinco, com aspecto mais para borracharia do que oficina técnica, escrito torto com letras brancas, à brocha, as palavras "ASSISTÊNCIA TÉCNICA AIWA" me espantei quando vi aquilo, cai na gargalhada, pensei, como é que “aquilo” vai conseguir conserta alguma coisa, dei a volta e parei, mais por maldade para matar a curiosidade do lugar, mesmo sem acreditar que ali fosse um oficina eletrônica capaz de fazer alguma coisa, mas, tentar não custa nada, já andava com o tuner no carro pra cima e pra baixo à procura de uma oficina especializada, tinha levado em umas eletrônicas ali pelo bairro Bosque sem sucesso. Então parei e entrei, bati palmas, chamei por alguém, alguns minutos depois, surgiu um senhor por uma porta dos fundos da salinha, de bermuda surrada, camisa aberta deixando a amostra sua barrigona suada sobre o cinto, cigarro no bico apertado no bigode, chapéu de palha, em nada mesmo se parecia com quem conhecesse eletrônica, achei que fosse alguém que estaria tomando conta do lugar, tinha apenas um ferro de solda fumegando na mão, mas, como já estava lá com o senhor diante de mim sorrindo, perguntei se ele dava um jeito no aparelho de som de marca AIWA que havia danificado o rádio, na verdade me contive para não ri de tanta incredulidade de que ele seria capaz de fazer alguma coisa, não podia esquecer que esse aparelho tinha sido condenado pelos técnicos habilitados. Ele disse - Cadê o bicho? Corri no carro, buscar, e o entreguei ao senhor, nada de recibo, cautela ou coisa nenhuma. Olhou, olhou, virou de todos os lados, depois anotou meu nome o qual li rapidamente por sobre seus ombros, assim grafado, seu “Moiseise”.

O senhor pigarreava, me ouvindo relatar o problema do aparelho, como se um catarro insistente não quisesse se largar do pé da garganta, depois entendi que na verdade ele apenas assentia com o meu relato, sua voz era rouca assim mesmo. Acabou de olhar o aparelho, ainda virou de cima para baixo mais uma vez e disse – “Tá bem, pode deixar aqui”, vai custar tanto (mixaria, troco!) e pode passar no meio dia, ainda era coisa de 8:00 h da manhã? tinha que ri, mas deixei para quando entrasse no carro, o que fiz com sadismo!

Na hora combinada, entrei com um sorriso maroto no rosto e já com muita intimidade, chamei o “tecno” pelo nome, perguntei-lhe: - E aí seu Zé, aprontou? Ele com o mesmo sorriso de antes, apontou o dedo polegar pra cima de lá da porta, e sumiu, entendi que sim! Levantei as sobrancelhas de espanto e aguardei para ver o estrago que ele tinha feito, nem me preocupei muito, o aparelho já não prestava mesmo. Em seguida voltou com o som nas mãos, ligou na tomada e Tcham! Tcham! Tcham! ...funcionou! caráio, agora eu vi! Ele calmamente disse que o bicho não ia mais sintonizar sozinho, (antes o aparelho procurava sozinho as estações) o sr. vai ter que procurar as estações pelo botão, - mas era só isso? porque o pessoal da Assistência técnica não me disse isso? Ainda incrédulo, perguntei para disfarçar, - “E foi difícil seu Zé?”

- “Foi não, estranhei foi o “fato” do bicho que é diferente, mas deu tudo certo, sai testano, testano e o que via queimado tirava!!”

O “fato” para quem não conhece, é o intestino dos animais, ou seja, ser o “fato diferente” significava dizer que ele nunca tinhas sido apresentado para os avanços da eletrônica moderna, mais uma coisa é certa, tampou a minha boca e deu de lavada nos “engenheiros eletrônicos da assistência técnica de Manaus” Pensei numa frase, “Acre, terra dos contrastes” aquilo sim era a verdadeira tecnologia de ponta, a ponta do teste! vou gostar daqui, não deu outra!

Molar
Enviado por Molar em 08/05/2020
Código do texto: T6941552
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