Devíamos ter ouvido Noé
– A gente devia ter ouvido Noé!
– Aquele velho bêbado?
– Bêbado ou não, ele avisou que ia ter um dilúvio.
– Ah, isso aí é só uma chuvinha.
– Chuvinha?! Não é isso que dizem os jornais.
– E você ainda acredita na imprensa?
– Amor, eles não estão mentindo. Olha essa chuva!
– Eles estão exagerando. Só falam em desgraça.
– Dizem que a Europa já está toda submersa.
– Ah, lá é outra realidade, a população lá é velha.
– E o que tem isso?
– Velho não consegue subir no telhado como nós.
– Você não está com medo de a água nos alcançar?
– Medo? Eu tenho histórico de atleta, sei nadar bem.
– E os idosos? Eles vão morrer.
– E daí? Quer que eu faça o quê?
– Você não se preocupa com eles?
– Todo mundo um dia vai morrer.
– Mas não precisava ser agora com esse dilúvio.
– Tem gente que vai usar a chuva como desculpa.
– Como assim?
– Sujeito cheio de doenças vai dizer que foi a chuva.
– As pessoas precisam ficar em locais seguros.
– Ficar por quanto tempo?
– Ué, até esse dilúvio passar!
– Ah tá, muito bonito. E quem vai trabalhar?
– Trabalhar? Nessa hora?
– Imagine os efeitos disso na nossa Economia.
– Você não pensa nas vidas perdidas?
– Eu não sou coveiro, tá certo?
– Só sei que eu é que não vou sair daqui.
– Fique aí mesmo. Vou marcar um churrasco.
– Churrasco?!
– E depois um jogo de futebol no telhado.
– Você não ouviu as recomendações da Defesa Civil?
– Aqueles comunistas?
– Amor, a água está subindo.
– Por que você não fala dos que escaparam da água?
– Só a família do Noé deve ter escapado.
– Aquele velho bêbado?
– Estou com medo.
– Tem que enfrentar a chuva como homem, pô!
– Está subindo cada vez mais!
– Lamento, ué.
– O que vamos fazer???
– Tive uma ideia. Já ouviu falar em hidroxicloroquina?