AMOR DE MÃE NUM COPO DE COVID

Parabéns a todas as mães por esse dia lindo que dizem ser o delas, por convenção. Amor de mãe a gente celebra todo dia. Alguém repetiu o que todos repetem por convenção, mãe é puro amor, tudo de bom que o universo concebe. Entre pensar e sentir há um caminho longo, palavras são insuficientes. Seja como for, quando uma mulher dá à luz terá dilemas existências mais profundos nem sempre conciliáveis como antes. Penso nas mães relegadas, também por convenção, à margem do sinuoso que é o viver e nas trilhas de dor e lágrima por elas deixadas.

Mulheres que não queriam e não querem seus filhos porque precisam de ajuda para amarem a si mesmas antes de dar à luz o semelhante; mulheres vítimas de abuso que amamentaram “aquilo” que entendiam ser deformação; mulheres apedrejadas depois do aborto e a falta eterna da vida interrompida; mulheres que desistiram dos filhos mergulhadas na depressão; as amorosas infelizes que vivem em segunda união penando a burocracia da nulidade do matrimônio pela Igreja dogmática; mães que as circunstâncias da vida arrasaram de assaltou no espanto de ver seus filhos presos em cadeias e penitenciárias. Mães sem paz, mães dos filhos perdidos para a pandemia: eis o tema dessa crônica surgindo incolor como amor de mãe num copo de covid.

Esse dia 8 flutua insólito no calendário de maio, basta o luto de uma para que todas as mães sintam o coração petrificado. Ser mãe é padecer no paraíso, o luto tem a proporção da impotência.

O que estamos vivenciando é singular, nada será igual depois. A matéria se transforma no limite das suas propriedades. Também a palavra. O país desgovernado sob a égide da polaridade sem direção sucumbe ao poder genocida. Com riqueza de detalhes, no exagero dos elementos rebuscados quase sempre extravagantes, o jogo dos contrastes é paralisante. Nesse dia das mães, meu sorriso de palhaço não é metáfora. Nem inversão ou hipérbole ou paradoxo. Sendo antítese, a natureza do labirinto é barroca e meu lamento soa fora de lugar, como aceno de mãos vazias para as mães que restaram sem despedida.

Apesar de tudo, a esperança ultrapassa nossa incapacidade. As curvas que faço em torno dos temas que toco são labirintos sinuosos, trilhas encobertas por matas que dão em rios igualmente sinuosos porque deslizam. Recebi de uma afilhada o ultrassom do seu primeiro filho. Na tela, a impressão difusa da vida é menor que meu dedo indicador. Aqueles três centímetros de diâmetro é a cabecinha, a batida forte do coração minúsculo dá mais volume à risada do pai.

O amor recompõe o quadro geral, a gestação que transforma a mulher em mãe também transforma seu companheiro. Sabemos que sendo paciente o amor é bondoso, não inveja, não se vangloria, não se orgulha, não maltrata, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas com a verdade. Tudo sofre, crê e espera. O amor tudo suporta.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 08/05/2020
Reeditado em 18/05/2020
Código do texto: T6941143
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