VOANDO NA AMAZÔNIA - parte 2
1. AS VIAGENS DE TECO-TECO NA AMAZÔNIA - 2
O MAIOR SUSTO DA VIDA
Chapter # 2
Autor: Moyses Laredo
Num voo a serviço para a cidade de Sena Madureira, a 100 km de Rio Branco, desta vez levava comigo, a pequena Ylana, que estava de férias, tinha na época 7 anos, o nosso avião, acho que era um pequeno Cessna 180 Skywagon de quatro lugares fretado, trem de pouso fixo tipo triciclo, íamos só nós dois e o piloto, ela sentava-se sozinha na poltrona de trás, estava se divertindo, pulando, fazendo daquele pequeno espaço, seu parquinho de diversão, de vez em quando, me virava para vê-la em sua alegria, estava admirada com o que via pelas janelas, nunca tinha viajado em avião pequeno, ia de lado para o outro, se sentia entrando nas nuvens, como nas historinhas que lhe contava quando criança, na época, na candura do boa noite, sempre me perguntava “como eu a tinha conhecido” e “porque eu era seu pai”, procurava estender mais, esse tempo que ficava junto comigo, daí, eu costurava uma historinha das mais impensáveis possíveis, ela adorava. Contava-lhe que numa desses minhas viagens sempre via uma anjinha loirinha brincando nas nuvens com os outros anjinhos, era a mais danadinha, quando me via, fazia caretas e se escondia por trás das nuvens, às vezes, surgia na minha janela sorrindo, dizia-lhe que sempre a reconhecia pelo lacinho vermelho prendendo seus cabelos loirinhos, que brilhavam como ouro na luz do sol, quando sua mãe estava grávida, pedi ao “papai do céu” que me mandasse aquela mesma anjinha travessa que sempre a encontrava, então, ELE me atendeu. Ela adorava essas historinhas, cada vez contava uma diferente, se eu tropeçasse, ela prontamente me corrigia, - “mas pai! Não foi assim....,” e aí, eu a corrigia, dizia-lhe que era outra parte da história, e acabava dando tudo certo e quase que contava a mesma história novamente.
No avião se divertia o tempo todo, fazendo com os braços esticados, o mesmo movimento que as asas do avião, quando mergulhava por entre as nuvens. De onde estava, tinha uma amplitude de visão de 360º, via a cabine e todas as janelas dos lados, enchia os olhos de “céu”, daí lembrava-se certamente das historinhas que eu lhes contara. Num dado momento, passei a ouvir um chiado muito forte vindo da parte de trás, virei-me e tomei o MAIOR SUSTO DA VIDA, a porta da aeronave estava quase se abrindo. Nesses aviões, a porta de entrada divide as poltronas, do piloto e copiloto e onde ela estava sentada, a porta tremia com o vento, dava para ver uma enorme fresta por onde provinha o ruído, ficou presa somente pela pequena garra da trava de segurança, a Ylana estava soltinha pulando, não queria colocar o cinto de segurança, por causa das suas brincadeiras, embora a cabine do pequeno avião não fosse pressurizada, mas, se caso a porta se abrisse, certamente ela cairia com um pequeno movimento da aeronave com o arrasto da porta, qual foi o meu susto ao ver aquilo, empalideci, imaginei logo a porta se abrindo e ela despencando lá de cima, e ir sumindo da minha vista, o meu impulso de pensamento foi o de me jogar atrás dela, se caso isso realmente tivesse acontecido, nem pensei diferente, jamais a deixaria que se fosse, e eu ficasse lá dentro, inimaginável essa alternativa, em ato contínuo, soltei o meu cinto e a segurei pelo braço, depois a enlacei pela cintura, e assim, permanecemos mais 10 minutos abraçadinhos até chegarmos ao nosso destino.
De fato, não haveria a menor dúvida de que, se ela tivesse realmente caído eu não permaneceria no avião, com certeza eu pularia em seguida atrás dela e tentaria alcançá-la, já tinha visto várias vezes como os paraquedistas de salto livre sem paraquedas faziam isso, quando em queda livre, aprumavam o corpo e mergulhavam de cabeça para ganhar velocidade e com pequenos movimentos no corpo, conseguiam mudar a direção, e assim, a alcançaria seguramente. Quando a alcançasse, tentaria me abraçar com ela, me colocando de costas para o impacto e se tivesse sorte, pelo menos ela sobreviveria. Isso tudo passou pela minha cabeça como um flash, durante a ocorrência do fato, imaginava cair abraçado com ela sobre um rio e que ficaríamos quicando sobre a água, como aquelas pedras que arremessamos por sobre as águas de um lago, fazia sentido esse pensamento, na queda de algum objeto de uma aeronave em movimento, quem está dentro, também voa com a mesma velocidade que o avião, portanto, segue na mesma direção da aeronave, apenas com uma diferença, vai perdendo altitude pela resistência com o ar, mas de dentro, parece que cai retinho. Já um observador de fora, vê a mesma pessoa descrevendo uma curva, o mesmo como se tivessem nos arremessado. Conhecendo física, imaginava cairmos no rio, e que depois de várias quicadas finalmente pararíamos em algum lugar qualquer, tal qual uma pedra que quando cessa a velocidade, afunda, essa foi a minha primeira análise depois do fato passado, isso é claro, se sobrevivêssemos, então, nadaria com ela, para um lugar seguro, ou mesmo nos agarraríamos numa tora flutuante, em abundância descendo pela correnteza nos rios. Nesse inimaginável evento, é a única vez que o pensamento tende para o lado positivo, porque nos demais casos, sempre que analisamos algo no trivial, somos vencidos pela irresistível atração por pensamentos negativos. Todos essas conjecturas me acometeram depois do fato decorrido, como se eu quisesse justificar o meu gesto de tentar salvá-la, em verdade até hoje não sei o que realmente seria capaz de fazer, o pensamento mais forte, como disse, seria o de segui-la, mesmo sabendo que os dois morreriam, disso não tinha dúvidas, mesmo assim, eu a seguiria na esperança de nos salvar, como o fazemos na esperança de ganhar, quando se joga na loteria, que tem a probabilidade de (C60,6 = 50.063.860) cinquenta milhões de combinação de 60 números, seis a seis, com certeza, as nossa chance de salvamento seria remotíssima, algo em torno de 0,000002% ou quase nula, mas, a estatística nos engana, como prova a loteria, alguém sai vitorioso de vez em quando.
Contudo, o que me contentaria seria a satisfação de alcançá-la nos seus últimos instantes, abraçá-la, acalentá-la e dizer-lhe que estava ao seu lado naquele momento de desespero e angústia, esconder seu rosto no meu abraço, imaginei sua carinha ao me ver, um misto de espanto e alegria, seria um abraço final (como o do tamanduá, que abraça o seu predador num aperto fatal*). Felizmente nada disso ocorreu, fui desperto do transe, quando o piloto informou que estávamos em procedimento para pouso, repentinamente um alívio me inundou, minha imaginação há instantes, beirou a realidade, estava suado, meus batimentos até aceleraram. De tudo ficou apenas o susto marcado na minha memória, como faz o ferrete em brasa que indelevelmente grava sua marca no couro do gado, porque na mente dela, alguns minutinhos depois, já havia esquecido, aliás, nem se deu conta do enorme risco que passou.
(*)Há relatos de tamanduás mortos abraçados com seus predadores, quando em luta por suas vidas, cravam suas garras de mais de 10 centímetros em seus agressores e ali permanecem os dois abraçadinhos.