ARTE - HOMENAGEM A AMAILIE SECKBACH - LIA DE SÁ LEITÃO- 06/05/2020

(ARTE é um capitulo do livro que futuramente será editado pelo Recanto das Letras de minha autoria. A homenagem a uma artista que não aguentou a estadia no Campo de Concentração de Teresin - + 1941.)

O que se diz sobre arte quando determina sua singularidade, quando prioriza ou não a estética convencional, o belo está acima de qualquer crítica, as emoções e percepções revelam os desejos das ideais e estimulam identidades subjetivas entre autor e espectador.

Mas, toda a produção humana revela uma história e um histórico. A História é o pano de fundo e a narrativa do que foi expressa a vida do autor.

O objeto final da reprodução da consciência humana possui uma única significação, nada é igual na arte mesmo com temáticas idênticas.

Cada autor vive a sua criação e para ela ele é o único narrador onisciente. Os interpretes ou críticos são especuladores. Os sentimentos: medos, ansiedades, prazeres ou angústias são intrínsecos ao autor, o espanto! Não diz absolutamente nada diante do momento da produção.

Falar sobre arte em sua beleza é apoiar unicamente a estética da expressão material.

É mirar e ver apenas o objeto sem compartilhamento de emoções, o cérebro humano sem interagir com as cores, o ambiente, a musicalidade das formas ou as curvas soltas à brisa, uma imagem se torna caricata causando repúdio ou pânico quando foge a todo e qualquer sentimento de busca dos sentimentos humanos.

A criação do relato público do produtor da arte é para o outro que o vê o processo de identificação, o êxtase entre aquele que permite as cores de um mesmo sentimento seja de conforto, confronto, saudade, amor autodestruição ou simplesmente nada.

Arte é a revelação dos olhos e o sentimento de quem vê.

A expressão imbuída dos sentimentos humanos.

Assim sendo é possível entender que a arte executada pelas crianças em Terezín é mais um depoimento do que os olhos viam, e o terror quando se desejava a paz, a primavera, e a estabilidade familiar.

Todos queriam o seu tempo de volta, o senhor das lembranças benfazejas que os mantinham esperançosos na sobrevivência diante do caos estabelecido por um único ideário alucinatório promovido por um discurso inflamado vazio, cheio de erros, rancores e racismos.

As crianças como sempre as maiores vitimas das guerras foram ceifadas tal qual os idosos. Os artistas de Terezin souberam coletar desenhos, poemas, operas, peças musicais, tudo o que podia perpetuar a vida pós morte daqueles que expressaram medos, angustias e arte. A Arte!

Ashira não entendia como a idolatria do mal era capaz de exterminar inocentes, o que ela via não era simplesmente a idade, mas a idoneidade das pessoas. Ali estavam os condenados sem tribunal, apenas um homem com as mesmas raízes, podia ter sido um artista, não tão medíocre nos cartões postais de Viena, mas; profundamente adoecido em se tratando do portfólio com imagens de pessoas e nus tanto masculinos quanto femininos. Promiscuo e sifilítico frequentador dos bordéis e prostíbulos, um psicopata que perambulava vendendo postais. Oportunista conquistou confianças e poderes, sedutor conquistou os bajuladores malucos, e a famosa facilidade de articulação dos malandros arrebata a fé dos incautos. Os que não ovacionavam Hitler podiam seguir o mesmo destino das minorias odiadas, fossem artistas plásticos, poetas, músicos, educadores enfim qualquer um. Isso era mais que doença mental era maldade e das mais ferozes. Realmente o homem é um animal mais selvagem que o irracional.

A capacidade de elaborar as piores astucias despertou o gatilho do autoritarismo e conduziu com o rigor uma liderança malina.

Os demônios que estão sobre a Terra são mais danosos que os das profundezas.

Eficientes: sobraçaram qualquer situação político-econômica e astutos metamorfosearam a crise em ódio gratuito e proferindo um discurso enganador em nome da Família, Lei e Justiça.

A propaganda direcionada ao separatismo arrebanhou o país em crise para a insensibilidade e louvor a raça ao egoísmo.

Aquele era um tempo de delação e traições em nome de um chefe supremo, um ditador histérico o perfeito psicopata!

Gentes do bem conviviam com o crime e a situação era crítica nas áreas de domínio alemão e nas barreiras de isolamento dos guetos.

Tamanha gravidade daqueles tempos de guerra que se negavam os parentes e era fato banalizar a violência e a reclusão, a fome e a morte.

Ashira e eu andávamos olhando as obras de artistas premiados e perseguidos pelos nazistas.

Os meus olhos esbarram em Amalie Seckbach, uma mulher bem sucedida na vida, nasceu no luxo e não se evadiu da burguesia refinada durante sua existência. Pai, marido e irmãos influentes.

Após a morte do marido continuou numa posição aristocrata e a arte sempre foi a sua maior companhia.

Participou de exposições internacionais, mas a partir de 1933 com a promoção política dos Nacionais Socialistas em Berlim.

Devido às hostilidades e o antissemitismo apregoado nos discursos inflamados cujo conteudo político não passava de insultos. As perseguições intensificaram, e vários artistas foram demitidos das corporações artísticas estatais.

Proibidos, portanto impedidos de expor em museus, galerias ou universidades alemãs.

Qualquer movimento artístico se restringia ao recém-criado espaço da Associação Cultural dos Judeus Alemães (Kulturbund Deutscher Juden). Amaile foi uma dos vinte mil membros.

Assim como tantos judeus alemães quando desejou fugir da Alemanha nos idos de 1941 não era possível.

A moradia e a riqueza de Amaile despertou interesse inescrupuloso e sem o menos respeito, apesar de ser septuagenária estava na lista dos deportados de 1942 para Terezin.

Debilitada fisicamente não se deixou abater emocionalmente catava papéis pelo lixo e continuou a produzir arte.

É possível perceber que as peças de Amaile não é uma narrativa sobre o comportamento de Terezin, Campo de Concentração considerado o portão do Inferno na Tchecoslováquia a primeira estadia do caminho sem volta para o holocausto.

Não está fundada em desespero, pânico, e morte, a narrativa de sua obra é subjetiva e Terezin na extrema pobreza e necessidades inspira para muitos críticos uma resiliência. Não dá para olhar com os olhos que quem apenas vê resignação.

Infelizmente possui fortes traços de adoecimento mental o que diferencia dos demais. E

Está implícito na sua obra, na agudeza sensível da vivencia humana ao dissimular uma dor pelo amor.

Pertence intensa realidade imagética. Assim sendo conseguiu produzir obras de arte contrariando a realidade de sua estadia e da própria condição debilitada e adoecida.

Ela aos 74 anos se eternizou numa criação surrealista.

A sua resistência está selada na idealização dos seus temas.

Destituída da sua nacionalidade, cidadania, e direitos.

A sua liberdade ganha o grito da vida criação das peças; naturezas-mortas e paisagens, flores e imagens. Uma silenciosa resposta à penalidade atribuída à alma inquieta da artista.

Amalie Seckbach morreu em Terezin devido às péssimas condições de reclusão em Terezin.

Suas peças estão em Israel no Yad Vashem, e em Terezin na Casa dos Combatentes do Gueto.

Tentar entender as iconografias produzidas por Amaile é partir de uma premissa diferente do comum.

Ela não se prende à revoltante condição de confinada a um gueto povoado por semi-mortos e suas lamurias ininterruptas.

O peso das dores dos outros recaiam nas denuncias contrabandeadas e se podia sentir o medo sobre os ombros da resistência capenga de Terezin.

Ela via em si mesma o retrato da denuncia, a sua alma exposta num papel inapropriado era a denuncia e o apontamento da crueldade sem medidas.

Demonstrou em cada peça o total menosprezo pela truculência, mas narrou episódios sob outra coloração: a dor que adoeceu a alma causada pela reclusão imprópria, mesmo assim não perdeu o brilho vislumbrou no caos a esperança de ressurgir das cinzas com os seus sofridos judeus alemães.