ALFONSO DE PONTEVEDRA, MESTRE DE OBRAS

"Cada pessoa que passa em nossa vida leva um pouco de nós com ela e deixa um pouco dela conosco."

Charlie Chaplin

ALFONSO DE PONTEVEDRA, MESTRE DE OBRA

Guardo em minhas lembranças uma imensa galeria de personagens que participaram de minha vida. O exercício do trabalho de Engenharia de obras pesadas possibilita conhecermos pessoas de todos os tipos e origens. Um dos profissionais que tive o prazer de “trabajar con el” foi Alfonso, um mestre de obras espanhol, que possuía uma história de vida ímpar. Era um. homem grande, com mãos enormes (parece ser característica dos galegos). Trabalhamos juntos em 1973, tinha uns cinquentas e seis anos, próximo de aposentar. e, como sempre, perguntei muito sobre suas origens. Fizemos amizade além do trabalho e Seu Alfonso foi, aos poucos, me contando como viera para o Brasil. Nascera na cidade de Pontevedra, na província galega de mesmo nome, na Espanha. Em 1936, Francisco Franco, o Generalíssimo Franco, liderara um golpe que deu origem à Revolução Espanhola, conflito sangrento que só terminaria em 1939 e deixou a Espanha a beira da miséria. Franco tinha o apoio de Hitler e Mussolini e governou até a data de sua morte em 1975 com mão de ferro. Alfonso era mestre de carpintaria e para escapar da ditadura franquista conseguiu vir trabalhar no Brasil. Na década de 1950 deixou a família, mulher e um casal de filhos, prometeu que em curto prazo mandaria buscá-los. Porém o Brasil não lhe permitiu cumprir a promessa. Passaram-se os anos e Alfonso conseguia manter a família, mas não custear suas passagens. Trabalhava em obras havia vinte e três anos, época que trabalhamos juntos, e lutava para cumprir sua promessa de trazer pelo menos a esposa para nosso país. O filho era oficial da Aeronáutica de Espanha e a filha acabara de se formar médica. Alguns meses depois seus filhos o ajudaram e enviaram a mãe para o Brasil. Lembro bem o dia que Alfonso, muito feliz, me comunicou a chegada de sua mulher e que alugara uma casa em Cubatão. Era um homem grande, trabalhador e excelente profissional. Meses antes de nos conhecer sofrera um acidente. Foi mostrar a um carpinteiro como cortar uma prancha de compensado na serra circular e serrou três dedos da mão direita. Assim que obteve alta médica voltou ao trabalho. Ainda escuto sua voz relatando-me:” - Tomé la madera y al cortarla me corté los dedos.” Muito preocupado com os prazos da obra, eu sempre o cobrava que estávamos atrasados com o serviço. Alfonso me respondia:”-

Ingeniero, cálmate. El servicio no acaba, pero nosotros acabamos”, em uma mistura de português e espanhol. Nos dias em que havia concretagens, Alfonso tomava a frente dos homens de sua equipe e “puxava” os trabalhos:”-Trabaja, hombre! Sairemos mais cedo!” Em dias de chuva e concretagem, Alfonso tirava a camisa e o capacete e continuava agitando o pessoal, ensinando os novatos. Belo dia, Alfonso me convida: - Te gusta un guiso español? Ve a mi casa el domingo. Ya hablé con mi esposa y vamos a comer con un vino español. Eu havia comentado dias antes que apreciava um cozido espanhol e Alfonso me convidou para almoçar. Domingo fomos a sua casa em Cubatão e o cardápio foi uma delícia: sopa de grão de bico, cozido maravilhoso regados a cachaça e vinho. Eu já estava satisfeito quando Alfonso falou: -Ahora vamos a comer uma empanada! Todo orgulhoso dos dotes culinários da esposa, apresentou uma forma enorme com uma espécie de torta. Ao cortar, era recheada de bifes, temperados com muito pimentão. -Come, hombre! Com muito custo e para não fazer desfeita, comi um pedaço de empanada, coisa que nunca havia ouvido falar. Após um café, meio bêbado e de barriga muito cheia, agradeci seu Alfonso e fui para casa. Meses depois, Alfonso aposentou-se e voltou para a Espanha. Alfonso, onde estiveres, minhas eternas lembranças.

Paulo Miorim 05/05/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 05/05/2020
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