O ESPELHO - Lia de Sá Leitão - 05/05/2020
Caríssimo caminhe ao meu lado nessa praça, as cores dos bancos são azuis. Toda vez que desbota um morador da praça manda pintar e tudo fica lindo novamente.
Ali, os brinquedos sempre conservados, todos bem pintados, levavam chuva e Sol, mas pareciam sempre manter o brilho novo das peças que chegam há meia hora da inauguração. Quando falo em inauguração lembro as festas com meninos empinando pipas coloridas de papel seda, outros chutando bolas, e os pequenos puxando carrinhos. As meninas gritando fino nas brincadeiras de esconde esconde.
Os pais atentos aos que vão e vem de patins ou bicicletas ( as bicks, na minha época Monareta ou Caloi).
Ali, cabia também adolescentes, tão silenciosos que mais parecem estar num monastério da Idade Média. Embora não seja da natureza do adolescente essa parcimônia, mas sim, daquele aparelhinho que cabe o mundo e dentro dele redes e mais redes sociais.
Era tudo muito divertido, quem mais fazia exercícios nas pistas de corrida, outros num aparelho que dançava de um lado para o outro e duas senhoras andavam ligeirinhas assim como falavam da vida dos filhos e netos e suas esquisitices.
O bom era caminhar em estradinhas de terra no meio do parque, atravessar a ponte e olhar aquele riachinho ainda limpo, dava até para ver os peixinhos prateados, dourados, vermelhos, pretos, e o meu favorito, o azul! O único que contrariava a natureza e nadava de ré.
Aqueles peixinhos já estavam acostumados com as lanchas, barcos a vela, ou os 3 patos amarelos um amarrado ao outro que singravam como navio na imaginação do menino que puxava um cordão ali na margem.
Tinha sempre alguém improvisando o seu barquinho de papel e era ate mais incomum naquelas águas que os outros de plásticos ou fibras. Era mais romântico devia ser de algum adulto lembrando Veneza, todos falam em Rialto mas as juras ficam para a ponte dos Suspiros. Poucos sabem que muitos presos amargaram suas reclusões depois de atravessar a passarela, ali foi construída a primeira penitenciaria do mundo. Os suspiros cabiam aos presos chorosos de liberdade nem de longe aos amantes. Bom! O que vale mesmo é uma pegadinha de mão, um olhar espremidinho e aquele sorriso revelando o segredo: daqui a pouco conversamos, depois que atravessarmos a pequenina ponte!.
Ixi! Naveguei no barquinho de papel!
Voltando ao parque. Caminhando calmamente para apreciar algumas cotovias que já se aglomeravam nas árvores, era quase final de tarde e fazia um friozinho desses de doer nos ossos. Um frio diferente como o de Cascavel, no Oeste do Paraná.
Finalmente chego ao meu destino.
O carrinho de “Seu” Mário. Era garboso, cheiroso a milho estourado das pipocas, rodas de bicicleta, acopladas a um retângulo de folha de alumínio lustrosa que parecia espelho, a cima subia um vidro forte que tomava toda a frente e uma lateral inteira, do outro lado o banquinho e uma porta também de vidro abria para a guloseima amanteigada. Ao lado para quem olhava de frente via uma panela enorme que mais parecia um nariz de Maria Fumaça. Era dali que o milho estourado caia fumaçando como numa cascata de rosas brancas flocadas e invadindo o compartimento maior onde descançava uma pazinha de cozinheiro e saquinhos cor de papel de embrulhos e listas vermelhas para as pipocas doces, com direito a leite Moça. Os saquinhos brancos com listas vermelhas para as salgadas, e brancos vermelhos e azuis para saquinhos da pipocas amanteigadas.
“Seu” Mário vestia impecavelmente uma calça branca com listas vermelhas e a casaca azul, e não relaxava uma cartola com as três cores confeccionado com um material que brilhava tanto quanto os piscas que rodeavam os vidros do carrinho e rodeavam um segundo carrinho com quatro garrafas invertidas anexadas na parte superior de uma engenhoca que ele puxava uma maçaneta e saia sorvete de chocolate, misto chocolate e baunilha, morango, ou misto, morango e creme.
O pipoqueiro também era o sorveteiro, só mudava a cartola e a casaca quando ia servir um sorvete de casquinho de biscoito.
Imediatamente virava a casaca antes azul para branca e trocava a cartola para uma boina tipo italiana marrom.
A criançada se divertia, mas os adultos deliravam quando “Seu” Mário sorria de dizia alto com um bom e velho conhecido sotaque romano.
“ Mire e veja, aqui na bandejinha de Avelina também vende sonhos!
Lá se ia contar a história de amor quando ele e Avelina se conheceram jovens e fugindo da guerra. Enquanto se comiam as pipocas depois tomava o sorvete e e reservava uns quatro sonhos o casal fazia o publico sentar em banquinhos de madeira e pedia se alguém tinha uma velha história, fosse de paixão, fosse de aventura. Quando as pessoas recusavam, ou se faziam tímidas, ou diziam não lembar. Ele ria e passava um espelho redondo. E dizia vamos! Olhe o espelho. Domingo você vem e me conta. Mas não esqueça.
Olhe o espelho!