A palavra me escapou
A palavra me escapou
Outrora me disse escritor... Mas duvido, hoje, do que imaginei.
A escrita fluía incontinente e palavras se enfileiravam em frases como se o curso das ideias tivessem rumo certo.
Hoje, em prisão domiciliar a que fui condenado pelo delito de teimar em estar vivo - e por atender à alcunha de “integrante do grupo de risco” – não sou mais dono de meus passos.
Pandemia é o assunto da moda e serve de pano de fundo para a imensa confusão entre distanciamento social, quarentena e isolamento que, em verdade, nada mais são que as possíveis fases de progressão do morto-vivo, passando pelo pré-morto até o grau extremo do falecido (ou "em óbito", como queira).
Contudo, escrever, para mim, sempre foi um ato singelo - quase banal - de apostilar e dar a conhecer aquilo que ordinariamente falo sozinho – em voz alta ou comigo mesmo.
Assim, trancafiado por horas, dias, semanas, quase meses e a opção de me ocupar da escrita surgiu como uma obviedade alarmante, por ser o único meio de escape que me restou.
Todavia, a palavra, matéria-prima fundamental da escrita, que antes eu lidava como serva - como de fato era - nestes tempos em que a vida foi posta do avesso, ousou se rebelar.
Quis escrever, mas não pude. Rebelde, ironicamente sem respeitar os limites do isolamento imposto a todos e num flagrante ato de subversão a palavra me escapou.
Sou, neste instante, um frustrado feitor de ideias, sem ação ou utilidade, porque minha antiga escrava, a palavra, me escapou.
Recompensa-se bem a quem encontrar e devolver.