UM RÁDIO À BATERIA
Nos dias de hoje, diante de tanta tecnologia e a velocidade na troca das informações neste mundo virtual, fico relembrando as cartas de dona Gertrudes, a “Nhá Tuca”.
Apoiada em sua bengala, ela cruzava o jardim de nossa casa.
Nas mãos, um rolinho de papel almaço, envelope, e cola que ela mesma preparava a partir de um angu de farinha de trigo.
Na cabeça, a saudade dos filhos, das noras , dos netos...
Moravam todos na capital e minha mãe, era quem escrevia o que a idosa ditava.
Nas tardes em que os extensos relatórios de Nhá Tuca estavam na pauta, aumentava-se o consumo de biscoitos e café entre um “te mando muitos abraços” e “tenho sonhado muito com as crianças” além dos informes “das coisas daqui”, que incluíam,além da tosse persistente de Zeferino , o filho mais velho, as ninhadas mais recentes de pintinhos nascidos debaixo da figueira.
Arrematava-se a missiva num verso, repetido, mas sempre capaz de fazer a idosa sacar do bolso do casaco,um lencinho para enxugar as lágrimas.
Assim, a emoção que eclodia da alma de dona Gertrudes,escorria na pena recém umedecida em tinteiro sobre as linhas do papel:
“Vai-te carta venturosa
Por este mundo de meu Deus
Antes, carta tu ficastes
Em teu lugar fosse eu”
Alguns meses depois, aos cuidados de meu pai,chegava a tão esperada resposta.
Mas esse não é bem o assunto que me traz aqui, apenas relembrei por tratar-se de mais uma forma de comunicação.
Um rádio a bateria tinha sido a mais nova aquisição na casa dos Teixeira .Naquele casarão de madeira, desengonçado e com alguns “puxadinhos”, as canções que se ouviam, até então, entravam pelas janelas vindas do bolinar dos ventos sobre o arvoredo no quintal.
Cantigas dolentes de galos pelas redondezas ou o guaju dos marrecos quando aprontavam-se as tempestades.
Sem luz elétrica, as noites teciam silêncios profundos e,vez e outra, um solitário sonhador cruzava as trevas assobiando uma canção.
Tudo o que se fazia, era reunir-se ao redor do fogão à lenha para ouvir os “causos” em narrativas que empolgavam.
[ Dona Otacília, nossa vizinha, com seus quase 80 anos, recitava poemas lindíssimos! Mamãe enxugava a emoção no babado do avental e nós, crianças ainda, viajávamos entre uma frase e outra. Mais pela ternura na voz da velhinha, que pelo texto em si, ,incompreensivel para nossas idades ]
Mas... O rádio era uma realidade !
Seria instalado alguns dias depois pelo técnico da loja em que foi adquirido.
Chegara o grande dia !
Uma ripa longa de imbuia fora parafusada em um palanque a uma certa distância da casa.
Afixado aos fundos do aparelho, dois fios em paralelo subiram ao sótão e de lá tomaram o rumo do ripão de imbuia.
Estava pronta a “antena” que nos faria conectados com o Brasil e o mundo, segundo as palavras do técnico.
Mais alguns ajustes, uma chave para evitar descargas elétricas por ocasião de trovões, as garras presas à bateria e a alegria invadira os aposentos daquela casa onde pelas paredes escorria a lentidão das horas.
Algum tempo depois, todos os nossos vizinhos da rua do Fomento, dispunham de seus aparelhos radiofônicos e uma perene alegria passou a reinar naquele trecho de minha história.
Porém, algo de especial ocorria nas noitadas de domingo e ,lugar comum, eram os convites para jantar e esticar a noite até o momento do “Grande Rodeio Coringa”, umas das maiores audiências radiofônicas ao Sul do Brasil.
Em algumas ocasiões fomos à casa de vizinhos, mas na maioria das vezes éramos nós os anfitriões daquela gente querida que amava a macarronada de dona Hilda,minha mãe, os carteados de meu pai, os causos, as guloseimas.
Por volta das 22 horas, pela rádio Farroupilha de Porto Alegre, iniciava-se o famoso programa de auditório e todos ficavam atentos ouvindo os cantores e rindo com os trovadores que fechavam a atração.
De volta pra casa, resquícios da alegria dos reencontros eram estímulos para encarar novas semanas.
Agora, eis-me aqui diante de um computador, desajeitado com este que sou, tenho consciência de que assim que postar estes mal traçados rabiscos,estarei atingindo alguém neste vasto mundo virtual e, não nego, fico feliz por isso.Quem escreve, adora ser lido.
Mas confesso que aquelas velhas noites de domingo,cheirando a macarrão, vinho e frango, ainda perseguem-me.
Fecho os olhos e a mansidão e singeleza da rua de minha infância envolve-me por inteiro e lá ! Muito distante no tempo, ecoa a gargalhada sonora de dona Vica, a risada solta de Seo Batista e naquele velho rádio à bateria, Darci Fagundes ainda entoa nos microfones da Farroupilha, no morro de Santa Tereza, nos céus de Porto Alegre:
“Rodeio ! Rodeio da ilusão ! Neste rodeio apartei um coração”.
...E este friozinho de maio, este céu borrifado de estrelas...
Tão cúmplice daqueles céus de tempos idos.
Nos dias de hoje, diante de tanta tecnologia e a velocidade na troca das informações neste mundo virtual, fico relembrando as cartas de dona Gertrudes, a “Nhá Tuca”.
Apoiada em sua bengala, ela cruzava o jardim de nossa casa.
Nas mãos, um rolinho de papel almaço, envelope, e cola que ela mesma preparava a partir de um angu de farinha de trigo.
Na cabeça, a saudade dos filhos, das noras , dos netos...
Moravam todos na capital e minha mãe, era quem escrevia o que a idosa ditava.
Nas tardes em que os extensos relatórios de Nhá Tuca estavam na pauta, aumentava-se o consumo de biscoitos e café entre um “te mando muitos abraços” e “tenho sonhado muito com as crianças” além dos informes “das coisas daqui”, que incluíam,além da tosse persistente de Zeferino , o filho mais velho, as ninhadas mais recentes de pintinhos nascidos debaixo da figueira.
Arrematava-se a missiva num verso, repetido, mas sempre capaz de fazer a idosa sacar do bolso do casaco,um lencinho para enxugar as lágrimas.
Assim, a emoção que eclodia da alma de dona Gertrudes,escorria na pena recém umedecida em tinteiro sobre as linhas do papel:
“Vai-te carta venturosa
Por este mundo de meu Deus
Antes, carta tu ficastes
Em teu lugar fosse eu”
Alguns meses depois, aos cuidados de meu pai,chegava a tão esperada resposta.
Mas esse não é bem o assunto que me traz aqui, apenas relembrei por tratar-se de mais uma forma de comunicação.
Um rádio a bateria tinha sido a mais nova aquisição na casa dos Teixeira .Naquele casarão de madeira, desengonçado e com alguns “puxadinhos”, as canções que se ouviam, até então, entravam pelas janelas vindas do bolinar dos ventos sobre o arvoredo no quintal.
Cantigas dolentes de galos pelas redondezas ou o guaju dos marrecos quando aprontavam-se as tempestades.
Sem luz elétrica, as noites teciam silêncios profundos e,vez e outra, um solitário sonhador cruzava as trevas assobiando uma canção.
Tudo o que se fazia, era reunir-se ao redor do fogão à lenha para ouvir os “causos” em narrativas que empolgavam.
[ Dona Otacília, nossa vizinha, com seus quase 80 anos, recitava poemas lindíssimos! Mamãe enxugava a emoção no babado do avental e nós, crianças ainda, viajávamos entre uma frase e outra. Mais pela ternura na voz da velhinha, que pelo texto em si, ,incompreensivel para nossas idades ]
Mas... O rádio era uma realidade !
Seria instalado alguns dias depois pelo técnico da loja em que foi adquirido.
Chegara o grande dia !
Uma ripa longa de imbuia fora parafusada em um palanque a uma certa distância da casa.
Afixado aos fundos do aparelho, dois fios em paralelo subiram ao sótão e de lá tomaram o rumo do ripão de imbuia.
Estava pronta a “antena” que nos faria conectados com o Brasil e o mundo, segundo as palavras do técnico.
Mais alguns ajustes, uma chave para evitar descargas elétricas por ocasião de trovões, as garras presas à bateria e a alegria invadira os aposentos daquela casa onde pelas paredes escorria a lentidão das horas.
Algum tempo depois, todos os nossos vizinhos da rua do Fomento, dispunham de seus aparelhos radiofônicos e uma perene alegria passou a reinar naquele trecho de minha história.
Porém, algo de especial ocorria nas noitadas de domingo e ,lugar comum, eram os convites para jantar e esticar a noite até o momento do “Grande Rodeio Coringa”, umas das maiores audiências radiofônicas ao Sul do Brasil.
Em algumas ocasiões fomos à casa de vizinhos, mas na maioria das vezes éramos nós os anfitriões daquela gente querida que amava a macarronada de dona Hilda,minha mãe, os carteados de meu pai, os causos, as guloseimas.
Por volta das 22 horas, pela rádio Farroupilha de Porto Alegre, iniciava-se o famoso programa de auditório e todos ficavam atentos ouvindo os cantores e rindo com os trovadores que fechavam a atração.
De volta pra casa, resquícios da alegria dos reencontros eram estímulos para encarar novas semanas.
Agora, eis-me aqui diante de um computador, desajeitado com este que sou, tenho consciência de que assim que postar estes mal traçados rabiscos,estarei atingindo alguém neste vasto mundo virtual e, não nego, fico feliz por isso.Quem escreve, adora ser lido.
Mas confesso que aquelas velhas noites de domingo,cheirando a macarrão, vinho e frango, ainda perseguem-me.
Fecho os olhos e a mansidão e singeleza da rua de minha infância envolve-me por inteiro e lá ! Muito distante no tempo, ecoa a gargalhada sonora de dona Vica, a risada solta de Seo Batista e naquele velho rádio à bateria, Darci Fagundes ainda entoa nos microfones da Farroupilha, no morro de Santa Tereza, nos céus de Porto Alegre:
“Rodeio ! Rodeio da ilusão ! Neste rodeio apartei um coração”.
...E este friozinho de maio, este céu borrifado de estrelas...
Tão cúmplice daqueles céus de tempos idos.