DESVENTURA DE UM JOVEM EM UMA SALA DE BATE PAPO: AS ARMADILHAS INVISÍVEIS DAS REDES SOCIAIS
*Por Herick Limoni
No final do século XX as redes sociais não eram como as conhecemos hoje, e muitas delas sequer existiam. Para um jovem cujos hormônios estavam em constante erupção, e cuja idade ainda não havia ultrapassado a casa dos 20 anos, não era tão fácil se relacionar. Não havia Tinder, Whatsapp, Instagram, e as poucas ferramentas de interação virtual que lhe estavam disponíveis não eram muito confiáveis. Era uma época em que era muito comum aos jovens colocar a “mão na massa”, se é que você me entende (em que pese acreditar que esse solitário hábito ainda persiste).
Uma das ferramentas muito utilizadas naquele tempo era o telefone 145, chamado de disque amizade, para o qual você fazia ligações e tentava entabular conversas com alguém interessante. Tinha o grande inconveniente de ser cobrado por minuto, e se a prosa estivesse boa, lá se iam alguns bons reais que seriam cobrados na próxima conta. Como os jovens quase nunca têm dinheiro, esse serviço foi responsável por incontáveis brigas entre pais (pagadores) e filhos (gastadores).
Outra ferramenta, que foi quase que uma evolução do disque amizade, são as chamadas salas de bate-papo. Para você, jovem leitor, que porventura nunca as tenha utilizado, explico o que é, e como funciona: alguns provedores de internet (BOL, UOL, Terra etc) criam salas de conversas virtuais, divididas por categorias e idades. Tem de tudo, como se pode imaginar. Sexo, namoro, casamento, amizade, por regiões, estados etc. Basta escolher uma delas, criar um apelido e tentar iniciar conversa com alguma pessoa que, naquele instante, está participando da mesma sala. Com sorte você consegue trocar mensagens com alguém que ache interessante e que, virtual e aparentemente, tem os mesmos desejos que você naquele momento (PS – esse parágrafo estava sendo escrito no passado, pois pensei, erroneamente, que as salas de bate papo haviam sido extintas, assim como os dinossauros. Ainda bem que pesquisei antes de publicar, do contrário, teria passado vergonha).
A história que vou narrar agora é verídica, e me foi contada por um amigo de longa data e cujo nome preservarei para manter nossa amizade. O ano era 1997 e nosso amigo estava no auge dos seus 18 anos. Há pouco tempo havia conseguido a tão sonhada carteira de habilitação – creio ser esse o sonho número um de boa parte dos jovens do sexo masculino quando completam essa idade. Os 18 anos são, para o jovem, como uma carta de alforria; um par de asas recém-formado no pássaro que ainda se alimenta dos insetos regurgitados pelos pais. Ao chegar a essa idade cabalística, imagina que, a partir de então, poderá alçar os próprios voos. Nós, que já passamos um pouco dessa idade sabemos, de fato, como funciona, mas não vamos estragar a festa dos nossos jovens leitores. Deixemos que a vida, esse poço de sabedoria, ensine-os.
Voltemos ao relato do meu amigo. Naquele ano, com as dificuldades naturais em se conseguir companhia, resolveu se aventurar em uma daquelas salas de bate papo. Diante das diversas categorias e impulsionado pela testosterona que fervilhava em suas veias, não titubeou a respeito da sala que entraria: SEXO. A fim de ocultar a tenra idade, e para não parecer uma presa fácil naquele ninho de serpentes, teria de escolher um apelido que inspirasse nos demais um pouco de respeito. Pensou, pensou, pensou, e nada! Decidiu, então, bisbilhotar algumas daquelas salas a fim de pegar algum exemplo que lhe servisse de modelo. Bingo! Assim nascia o MORENO25, junção da cor de sua pele e da idade que imaginou ser adequada para aquele ambiente, e que poderia lhe render alguma coisa.
Entrou. Não demorou muito e um nome lhe chamou a atenção: BELLA1973. Deduzindo ser 1973 o ano de nascimento de Bella, encorajou-se e lhe enviou um “olá”, que após longos 30 segundos fora enfim respondido: “olá”. Pronto. Estava selada a ligação. Naquele dia, conversaram por longas duas horas, apenas se conhecendo, sem falar nada sobre o assunto para o qual aquela sala havia sido criada. Combinaram, por mais de uma vez, de se encontrarem naquela mesma sala em outros dias, e conversaram de forma privada por horas e horas, dia após dia. A intimidade virtual foi-lhes ampliando os horizontes, e o assunto sexo passou a ser a mola propulsora dos quentes diálogos. Bella lhe revelou que realmente havia nascido em 1973, tinha então 27 anos, era casada e mãe de dois filhos. Ele, para não afugentar a pretendente, foi compelido a manter a informação de que tinha 25 anos, era solteiro e estudante universitário (só a solteirice era verdade). Bella lhe confessou, como a um amigo de muitos anos, que seu casamento não estava nada bem, e que por isso sentia-se forçada a procurar distrações naquele tipo de ambiente, mas que até então não havia traído o marido, pelo menos não fisicamente. Disse a meu amigo, ainda, que de todas as pessoas com quem já havia conversado em salas de bate papo, era ele o que mais lhe havia despertado interesse. Queria encontrá-lo. Precisava aplacar esse fogo que a consumia e que seu marido não estava sendo capaz de debelar. Era tudo o que o amigo mais queria ouvir naquele momento, apesar do natural temor, pois apesar de não ser virgem, era muito pouco experiente.
Passada a euforia inicial e marcado o encontro para a tarde do dia seguinte, o amigo se deu conta de um grande problema: como se reconheceriam se nunca haviam se visto e tampouco trocado alguma foto? Indagou Bella, que parecia ser mais experiente. Ela, demonstrando já estar bastante acostumada com esse tipo de situação, respondeu: “É simples. Basta que repassemos um ao outro nossas características físicas e as roupas com as quais estaremos vestidos no dia”. “Como não havia pensado nisso?”, refletiu meu amigo. Era de fato bastante simples! Passou, então, a se descrever: “moreno, 25 anos, 73kg, 1,78m de altura, estarei vestindo calça jeans e camisa polo branca”. Ela: “morena clara, 27 anos, 56kg, 1,65m de altura, estarei vestindo camisa cinza claro e bermuda rosa”. E completou: “para facilitar, sou parecida com a Ana Paula Arósio”. Naquela noite, meu amigo foi dormir sonhando com sua beldade.
No dia seguinte e um pouco antes do horário marcado, pegou emprestado o carro de um amigo e dirigiu-se ao local do encontro. Não queria se atrasar. Conforme combinado, estaria ela lhe esperando na portaria de um famoso edifício comercial. Não tinha erro. Ela estaria de camisa cinza claro, bermuda rosa e se parecia muito com a Ana Paula Arósio. Quando ele passava em frente à referida portaria, pois iria procurar uma vaga para estacionar, visualizou, por alguns segundos, uma mulher vestida de camisa cinza claro e bermuda rosa, encostada em uma das paredes da portaria, como se estivesse à espera de alguém. Mas não podia ser ela, pois em nada lembrava a formosa atriz e muito menos se enquadrava nas características repassadas. “Pode ser apenas uma coincidência”, ele pensou. Estacionado o carro nas proximidades, seguiu a pé, pelo outro lado da rua, a fim de se certificar se aquela era ou não Bella. Passou uma, duas, três vezes e, depois, acomodou-se em um lugar estratégico, observando-a. Ela estava inquieta, impaciente. A todo o momento verificava o relógio. Olhava para todos os lados, buscando, em vão, aquele que iria aplacar sua infiel sede de sexo. Após uma hora do horário marcado, Bella enfim desistiu de esperá-lo, e foi-se embora, certamente frustrada pelo bolo que acabara de levar. Meu amigo também foi embora, tendo aprendido, na prática, que as redes sociais sempre foram campo fértil para armadilhas. Pegou o carro e foi para casa, resmungando no caminho: Ana Paula Arósio uma ova!
*Bacharel e Mestre em Administração de Empresas
Siga-me no site www.alemdaprosa.com