As lições de um E.T

São as crianças que veem as coisas – porque
elas veem sempre pela primeira vez com espanto,
com assombro de que elas sejam do jeito como são.
Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais.
As coisas – as mais maravilhosas – ficam banais.
Ser adulto é ser cego.
(Rubem Alves)

     O essencial é invisível aos olhos – está no Pequeno Príncipe. Um trocadilho bem atual e a respeito do qual muito há o que pensar, podemos tentar: por causa do invisível voltamos ao essencial. E o essencial está em casa, na pobre Nazaré de cada um, no lar doce lar que é muito mais que um quadro do Caldeirão do Huk. A casa é onde encontramos o essencial e se assim não for – o que é possível que aconteça – é porque alguma coisa aconteceu no caminho.

     Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante – é ainda a raposa falando. Redescobrir o valor impagável das pequenas coisas. Creio que quem iria gostar de divagar sobre esses tempos difíceis seria Rubem Alves. Aquela eterna criança que habitava seu interior – criança esperta, diga-se de passagem – iria fazer dessa pandemia um balanço de descanso, tenho quase certeza. E como brincaria. Já que ele não está mais entre nós, resgato um breve texto de seu caleidoscópio literário Ostra feliz não faz pérola. As linhas que cito foram escritas para quem carrega consigo a graça, a beleza e a felicidade de ser pai, de ser mãe. Esse dom reserva aprendizados inesperados e surpreendentes, como o que registra nosso autor.
 
Eu e minha filha de cinco anos voltávamos do cinema. Tínhamos visto o E.T.. Minha filha chorava convulsivamente. Nada a consolava. Em casa, depois do lanche, para consolá-la eu lhe disse: “Vamos ao jardim ver a estrelinha do E.T.”. Fomos. Mas o céu se cobria de nuvens. Minha mágica não dera certo. Improvisei. Corri atrás de uma palmeira e gritei: “O E.T. está aqui! Venha ver!”. Ela ficou séria e disse: “Papai, não seja bobo. O E.T. não existe...”. Respondi: Não existe? Então, por que é que você estava chorando?”. Ela respondeu: “Por isso mesmo, porque ele não existe...”.

     Mas é preciso ver o que não existe ou, não existe mais, identificar essas carências, essas faltas. A quanto tempo não existia mais tempo para os teus – cônjuge, filhos, irmãos, para ti –, a quanto tempo não existia mais oração em tua casa, brincadeiras em tua sala, mais de dois almoços consecutivos juntos, conversas demoradas ao sabor das lembranças, ocupações diferentes daquelas das agendas... e tantas outras infinitas coisas que com o tempo deixam de existir. Com aquele homem que gostava de ipês amarelos, foi o E.T. que não existe o responsável pela descoberta de um nobre sentimento que latejava no coraçãozinho de sua pequena. Tire proveito da situação e diante do mal invisível, descubra o E.T. que te faça ver de novo com o coração. Tire tempo outra vez para a tua rosa. Redescubra, volte e permaneça no essencial. Também depois.