FESTA DE CASAMENTO
Fim dos anos 70. 1978, para ser mais preciso.
Convidados que fomos, minha esposa e eu, a padrinhos de casamento de uma moça de origem polonesa residente no interior - e bota interior nisso ! – de Rebouças.
Rebouças, à quem não conhece, é uma pequena cidade ao Sul do Paraná, distante uns 30 Km da minha amada Irati.
É uma cidade pacata, onde todos se conhecem, onde as cadeiras se espalham pelas calçadas à frente das casas e a vizinhança “se perde” em chimarrão e bate papo.Não por acaso é conhecida como “A capital da amizade”.
Adentramos na Brasilia azul -recente aquisição e xodó de seu Jango, meu pai - e cheirosos e empiriquetados tomamos o rumo da “capital da amizade”.
Em lá chegando, estacionamos à frente da Paróquia e sem demora foram chegando os demais convidados.
Buzinaço, foguetório, os carros todos enfeitados com penduricalhos de fitas coloridas, uma alegria contagiante.
Chegaram as “dhrusbas” – não sei se á assim que se escreve,mas é como pronuncia-se.
[Dhrusbas – eram polonesinhas na faixa de 18 anos anos, em número de 6, devidamente vestidas de branco com arranjos nos cabelos lembrando pequenas grinaldas.Na função de “sobre noivas” acompanhariam a noiva até o altar.Tradição polonesa da época,não sei se persiste ainda]
De posse de umas cestinhas, circulavam por entre os convidados espetando um cravo branco, artificial, é claro, nas vestes dos cavalheiros.
O lado esquerdo do meu paletó de veludo cotelê marrom, encomendado ao meu alfaiate (Eu era chic! rsrs...) recebeu também um cravo branco.
Chegam os noivos, acaba a cerimônia, as sanfonas e rabecas promovem o alarido na porta da igreja, os pardais orando pra que sumam-se os convidados e possam eles entupir-se do exagero de arroz jogado sobre o mais novo casal, ao estouro de intenso foguetório, segue a comitiva.
O pároco, já bem idoso,mas festeiro “pra mais de metro”, decide-se a ir conosco.
Uma honra ! Chegar na festa com o padre a bordo.
Demorou uma eternidade para despir-se dos paramentos e enfiar-se numa batina preta, convencional.Não esqueceu de um chapéu, igualmente preto,usado para ocasiões especiais.
Quando embarcou na nave azul que o levaria, os ares entorpeceram-se do conhecido, amado por uns,odiado por outros, “Tabu” de Dana.
A esta altura, seu Jango havia passado para o banco traseiro em companhia de minha mãe e minha esposa.
O padre olhou-me de alto a baixo, deu um sorrisinho amistoso, não sei se gostara de meu paletó ou achara-me uma figura ridícula.(Até hoje tenho tido algumas noites insones por conta desta minha dúvida).
Dei a partida.
A menos de uns cinquenta metros, o padre bruscamente interrompe a viagem.
-Voltemos ! Esqueci o meu cravo branco.
Retornamos e mais uns quinze minutos até o reencontro da famigerada florzinha na Sacristia e ele ressurge.
Agora com o cravo devidamente grampeado na batina.
Rumamos.
Tarde morna de setembro, pássaros, borboletas, casas coloridas, jardins...Estas coisas do Sul a que tão bem estamos acostumados.
Vencida o que chamam de “Estrada geral”. Adentramos na estrada “Vicinal”, que nada mais era que uma espécie de carreiro levando às propriedades nas colonias de lavradores.
Numa delas, talvez a mais distante, uma festança esperava por nós.
Nem preciso dizer que o pároco era o astro.A figura mais esperada lá por aquelas bandas.
De início a coisa foi fluindo bem, sob os poéticos comentários de dona Hilda,minha mãe.
-Oh! Que lindo ! Adoro este cheiro de mato, estas cantigas de passarinhos,e blá,blá,blá...
Ao que o padre complementava:
- A “Naturreza” é o mais lindo presente do Criador.
E assim seguiámos o destino.
Mato dos dois lados- por vezes lembrava um túnel- mas estava indo tudo bem.Faltavam uns 3 km aproximadamente, quando de repente, surge à minha frente um atoleiro.
Nunca fui bom motorista,mas dado aos incentivos do pai e do padre, do tipo,”vá em frente ! acelere ! Isso aí é só um atoleirozinho!...Meti o pé no acelerador e muito confiante em mim, nas graças do padre, na força do pai, Atolei a Brasilia azul.
Forcei a barra e quanto mais eu insistia,mais atolava.
Inverteu-se a situação.Aqueles que me davam força, partiram agora para apontar a minha desqualificada condição de motorista.
Meu pai decide-se a pegar na boléia.
O padre e eu, desembarcamos.
Atolados até metade das canelas, catamos gravetos e arbustos para que o “entojado” de meu pai não sujasse os sapatos quando desembarcasse da brasiliona.
Seu Jango toma posse do volante.Dá uma ré e ordena à mim e ao padre que empurremos o veículo.
-Empurrem forte que eu acelero e já saímos daqui.
Obedientes, lado a lado, o padre e eu, usamos o limite de nossas forças.
Seu Jango afunda o pé no acelerador. A Brasilia sai triunfante.
Soa na tarde um impropério da boca do pároco:
-Puta que “parriu!”
Olho para sua batina.O cravinho,antes tão imaculadamente branco, tem agora a cor de caramelo.
Caramelisados estão igualmente o chapéu e boa parte da batina.Há caramelo em abundância em minhas calças, meu paletó novinho! E até em meus cabelos.
A vontade, minha e do padre, naquele instante era de fazer seu Jango chafurdar no lamaçal, mas havia uma baita festa à nossa espera.O eco dos foguetes já podia ser ouvido.
Ficamos por uns instante a entreolharmos com cara de dois cachorros caídos de caminhões de mudanças.
O restante da galera, riu-se de nossa desgraça.
Enfim, seguimos o nosso destino.
Chegamos:
Numa vala enorme ardente em chamas, alguns homens reviravam espetos de churrascos.Carne bovina, cabritos, ovelhas ...
O ar era tomado por intenso de um cheiro delicioso.
Mulheres espalhavam ao longo das mesas sob o laranjal, bacias de maionese, saladas, pães...
Da fornalha entreaberta, recendia leitãozinho à pururuca.
Um festival de vozes, de música, de foguetes. O Padre e eu, tal qual a canção de Eduardo Duzeck: “Barrados no baile, só viviam dando detalhes”.
Todos queriam saber da tragédia.
Tentaram nos arranjar alguma coisa para vestir mas nossos manequins não ajustaram-se.Assim, com o barro já quase secando,empanturramo-nos e partimos para a dança.
Um celeiro enorme transformado em salão de danças.
Sob as bandeirinhas e galhos de palmeira, varamos a noite dançando, comendo e bebendo.
Empolgado, vez e outra, o padre dançando com alguma de suas fiéis, erguia o chapéu sujo de lama e gritava:
- Iiiiihhhuu !
Viva os noivos ! Viva os pais dos noivos! Viva os padrinhos dos noivos!....
Ao que todos respondiam alegremente:
-Vivaaaaa !
Retornamos na manhã seguinte. O padre decidiu-se esperar o “repique”.
No caminho de volta, com todo cuidado, desviei o nefasto atoleiro.
Quando chegamos em casa, meu pai desabafou:
-Que papelão do senhor ontem a tarde!
-Que fiasco ! Profere minha mãe.
-Que Caca ! Diz-me a cara metade.
E juntos entonam um sonoro:
-Quase nos mata de vergonha, Indecente !
Finjo que não ouço, e vou para o banho.
Hoje, quando me recordo, excluo as cagaditas e confabulo com meus botões:
Que festa bagual foi aquela !