CREOLINA. Lia de Sá Leitao - 02/05/2020.

A casa em obras e o pedreiro, um desses, tão sabido quanto a Hora do Brasil, hoje o Jornal Nacional! Desses homens que impõe respeito pela mão no queixo, devidamente barbeada e um olhar sereno de pensador. A construção cresce, sobe, ganha espaços e esbarrou em duas caixas de esgoto. Aqui inicia meu tormento da noite mais mal dormida desses últimos cinco anos. Outras noites mal dormidas aconteceram, mas foram leves ao ponto de esquecer a causa.

Tem dias que o tempo não ajuda em nada! Nem indo pra frente nem o agora e muito menos lá trás.

Depois do ultimo copo de uísque o desejo era voltar para casa! As tripas em redemoinho e o estomago dando voltas pelo abdômen. Um enjoo brincava de fazer passar mal até alma! A vida virou de cabeça para baixo e nada tinha graça! Podia estar no palácio e parecia um pântano, pessoas bonitas começaram a tirar as máscaras tudo parecia bruxa e vampiros? Foi nessa circunstancia o retorno.

O fim da balada resultou em vômitos e na limpeza do banheiro, muita água sanitária, cheiro de lavanda do desinfetante e pano de chão limpinho aliviava a raiva de passar mal e fazer faxina mais de meia noite!

Ainda por cima os meninos aprontam sem o menor constrangimento. Apostaram quem seria o campeão do torneio de sanduíches de mortadela com cebola e queijo ralado, um fiasco! Todos os maratonistas se entronizaram príncipes no vasinho do banheiro, o mal cheiro da disenteria era o complemento fatal! Incensava todos os ambientes, e para fechar com chave de ouro os aparelhos de ar condicionados foram desligados por conta da obra de reforma dos quartos que se fazia.

Estabeleceu um terror na vigília! Janelas abertas, e as carreirinhas para o vaso. Levantei no sacrifício coloquei água para ferver e fiz chás. As olheiras identificavam os meliantes.

A noite não tinha fim! A espera do rei Sol e o pão da padaria era bem menos importante que a corrida ao Supermercado próximo em busca da bendita água sanitária e desinfetante bebidos pelos ralos do banheiro e privadas como uma grande boca pingungunçando os produtos mais químicos que aqueles líquidos ali despejados.

Alguém lembrou um vaporizador com cheirinho comprado no shopping. A madrugada infernal se completa. Alguma mente brilhante experimentou aquele papelzinho de mostruário e comprou ali mesmo o produto, não conferiu a embalagem e ao chegar em casa não leu as informações de uso e como a expositora da lojinha, borrifou o ar dos quartos, banheiros, salas, biblioteca, cozinha, área de serviço, mas o pior estava por acontecer! Borrifou o ventilador como se faz em lojas de bebês. O cheiro em contado com o ar vampirou, volatizou em inhaca. A única alternativa era o quintal onde o ar era puro e longe das paredes que acondicionavam os vapores mais enjoados que possa imaginar!. Todos acordados com panos no nariz iguais zumbis procuravam a brisa da noite, lentamente a madrugada amanheceu, creio que levou mais de 72 horas de espera!

Ixi! Voei na noite infernal, e esqueci o pedreiro e a construção e as caixas de esgoto do banheiro das novas salas que seria a Clínica. Sr. Estevão chegou com ares de engenheiro e disse em tom pausado.

Acredito que a gente pode matar essa e aquela caixa de esgoto e construímos uma maior nesse local, não tem problema algum! Fica sem esses insetos e sem a incomodação de abrir três caixas de dejetos, ressalva dos banheiros coletivos, e as águas dos lavabos e trelêlê e tro lóló, a sócia muito atenta porque é compulsiva em limpeza pesada questionou ao homem um produto que limpasse os vermes, lombrigas, taturanas, formigas, escorpiões, dengue, zika, chicungunya e baratas, seu único alvo.

O homem deu aquele risinho de eu sei de tudo que a senhora me perguntar e se não souber eu lhe convenço de que sei! Olhou firme, mas coçou a cabeça, minha alma estremeceu, mas ela insistiu o quê o senhor sugere?

Ele não regateou tempo por mais careta que eu fizesse negando a idéia da revelação do grande e magistral segredo escondido pela lata amarela conhecida como a famigerada, insuportável, aniquiladora de insetos de esgoto! Mas, o Sr. Estevão se fez rogado e disse tem creolina! A pura mata tudo! Todos os bichos insetos da terra, a senhora não vai se preocupar por um bom tempo! Comprou-se a creolina para desinfectar as caixas mesmo que depois passem ao desuso, limpeza dos encanamentos que ainda serão devidamente utilizados.

O meu temor se concretizou!

A sócia chamou a secretária de casa com o que restou da creolina e disse para colocar nos ralos do banheiro, na pia, na pia da cozinha, na pia do banheiro, passar um pano úmido por toda a casa e desinfectar TODA a casa, e que a secretária fosse generosa com o produto.

Gelei! Mas ainda disse a moça, dentro de casa não coloque esse produto é muito forte e o cheiro é insuportável! A sócia disse em meio tom, Mônica FAÇA! Outras preocupações com as compras de alguns itens de construção me tirou atenção da limpeza desnecessária para dar continuidade ao corre corre de armazéns, pagamentos, bancos, e depois farmácia...logo explico!

Enfim, pregos, taboas, cimento, brita, areia disso e daquilo, estou perita em piso e contra piso, sei até medir os traços de cimento para lage, nervuras e blocos, pontos de eletricidade, e metragens de cano grande e grosso ao fino, bomba, reservatório d´água e finalmente os olhos começaram a enrabichar pelo porcelanato italiano, cores específicas de tintas para ambientes clínicos e decoração!

Tudo aquilo roubou a minha atenção da cena de casa, do lar, local onde a família se escova em amores ou se derrete no boca a boca, claro que as discrepâncias não chamam atenção dos vizinhos, mas é briga feia de bate boca. E no meio tempo da construção, que fica num espaço do enorme do quintal, ali ao lado, o lar, esqueci a estrondosa realidade do evento creolina.

Cheguei a casa à noitinha e na garagem já se sentia um cheiro diferente, estremeci, mas pensei que fosse o exagero do desinfetante, a secretária fazia a horinha extra, sorridente disse em tom de euforia, deixei as janelas bem abertas, os ventiladores ligados, a casa está com ar de limpeza quando adentrei na sala o odor era de insuportável limpeza!

Corri ao meu quarto e vi o desastre! O banheiro com a janelinha aberta, o janelão do quarto escancarado, e aquele cheiro nauseabundo de creolina. Sem contar o enjoo da balada na noite anterior, ativo!

Hora de descanso, morta de cansada! O dia corrido! Sigo o ritual das abluções noturnas como um zumbi pedindo túmulo! Deito, fecho os olhos e o nariz me acorda com aquela infeliz inhaca volatizada pelo quarto, coberta, ar , todos os lados. Fiz uma máscara com a camiseta e foi pior, o pano filtrou o odor, e a noite atravessou atormentada num dispneia, puxava o ar e salvava a minha vida pela metade!

Levantei de um sono angustiado e corri ao computador e procurei no Google pai dos desesperados, como neutralizar a creolina, e li: abra as janelas, deixe o ar circular, lave o local com bastante água, e espere o tempo agir, o cheiro sai em definitivo depois de cinco dias da aplicação.