Máscaras
Ouvi de fontes não oficiais que em breve, em União dos Palmares, o uso de máscaras será obrigatório. O decreto que prevê essa obrigatoriedade já está quase pronto. Em breve, se o boato vigar, União estará toda mascarada. Vamos usar máscaras não apenas, como ocorre atualmente, para entrar nos bancos, nas padarias e supermercados. Vamos nos mascarar para caminhar, ir à lixeira mais próxima, apanhar sereno, confabular com o leiteiro, que também estará mascarado.
No início, ao nos olharmos no espelho, é possível que estranhemos nossa presença. Descubramos olheiras ocultas, sobrancelhas desalinhadas, cílios proeminentes. É possível que esposa queixe-se ao marido: "Poxa, você está horrível de máscara!". E ele abra concessão: "Pelos menos você não pode reclamar de mau hálito." Com o tempo, é possível que esse casal acostume-se à nova aparência e, até, divulgue aos vizinhos e amigos a nova moda profilática. Quem sabe adote, mesmo depois de o decreto perder a validade, o hábito de usar máscaras.
Não estranharei se a moda pegar, se, mesmo após passar esta crise sanitária, a galera mantiver por hábito o uso público/individual/coletivo de máscaras. Afinal, os otimistas dizem que sairemos desta pandemia melhorados, mais profiláticos, ecológicos, empáticos. Desconfio, porém, que estejam romantizando demais o bicho homem. Depois daquele 7x1 para a Alemanha, suspeito que nós —brasileiros, principalmente— somos um povo muito otimista. Se, por um lado, essa característica contribui para nossa saúde mental, por outro, degenera nosso senso crítico de encarar os caos dos fatos.
Máscaras podem nos proteger do coronavírus, mas são inócuas contra a fome, a violência, o desemprego. Podem evitar o mau hálito, mas não a cobiça do empresariado e banqueiros por lucros. Podem servir para reforçar nossas olheiras, sobrancelhas e cílios proeminentes, mas não para revelar o porquê de, no Brasil, ainda, gente morrer de disenteria. Podem esconder outras várias máscaras mascaradas nas safadezas dos dias. Podem, inclusive, matar milhares de vidas. Porque se, como dizem por aí, máscaras salvam, também podem matar.