Suvelos de Sô Velu...

Nesta singela expressão, o vizinho frontal da casa de Vovó em Pitangui, João Fagundes, de 95 anos, define a sua lembrança, garoto ainda, de meu avô paterno, o seleiro curvelano, Velusiano Justiniano de Miranda, o meu Vô Velu.

Não cheguei a conhecer o Vô Velu, senão das reverenciadas lembranças de papai e de sua irmandade, e de um retrato retocado e emoldurado, conjugado a um outro bem mais recente, de sua Ana Maria, a Inhana. Vovô nasceu provavelmente em 1859 e teria falecido, com igual probabilidade, em 1939, porquanto Vovó - sua quinta esposa, sim - após quatro insuspeitas viuvezes de Velusiano, com ele se casou em 1905. Ele tinha então 46 anos, cinco filhos da primeira e terceira uniões, e Vovó tinha catorze. Dessa derradeira união, que durou cerca de 34 anos, foram gerados 11 filhos, dos quais sete vingaram. Dois varões, e cinco moças, das quais só uma se casou.

Os suvelos mencionados com uma vivacidade de garoto pelo fagueiro Fagundes, que no meu entender são sovelas, ferramentas mais comuns dos seleiros, chegaram até nós, e devem estar nalgum escaninho das ferramentas dos manos Nacho e Beu, sem perder a imponência diante das makitas e outros implementos digitalizados. Formam um par, o suvelão, robusto, e a suvilinha, frágil e bem fininha e ambos, além do mais, garbosamente artesanais...

Fagundes me relata, espontaneamente - antes desse nosso encontro na véspera do natal de 2019, apenas trocávamos monocórdios bons dias - as circunstâncias em que conheceu meu avô: o ano provável teria sido 1933, entre seus sete e oito anos, quando seu pai, fazendeiro em Morro Agudo, trouxera do Brumado o já septuagenário Sô Velu, para fazer uns serviços de selaria em sua propriedade. Coisa de umas três léguas de cavalgada, e uns dias, que ficaram na cabeça do menino. E não muito mais, além dos suvelos...afinal, um garoto, além de ter suas obrigações cotidianas não podia se aproximar impunemente dos mais velhos, sobretudo se desconhecidos...e encanecidos.

Mostro-lhe o retrato, que Fagundes bem visualiza, mas não ajuda muito a avivar sua memória do velho seleiro. Mas mesmo especulando, tentando, sem êxito, enfiar um chapéu, um vazador e uma faca de bom corte na história, dou-me por mais que satisfeito com aquele relato, tão reverencial preito.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 01/05/2020
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