Canto Orfeônico
DOMINGO primeiro de maio de 2020, mais um dia de retiro, um Dia do Trabalhador sem festa. Infelizmente. Mas vamos a maltraçada que, claro, não tem nada a ver com a data.
Acho que só os mais adentrados nos anos lembram-se que no curso ginasial havia uma matéria chamada "Canto Orfeônico". Era simplesmente o ensino da música, apenas alguns dados. A matéria era ensinada por um funcionário público e grande conhecedor de música, Ângelo Veloso, um sujeito boníssimo, educado, fraterno, uma dessas pessoas que todos estimam. Em cada classe ele constituía um coral. E depois fazia a seleçãodo coral geral envolvendo todas as classes do ginásio.
Sempre fui um aluno relapso. As minhas notas eram baixíssimas. Mas em Canto Orfeônico eu só tirava 10, nota máxima. No ginásio todos sabiam o motivo, ninguém nem mais comentava a chuva de dez que eu tirava. Mas meu pai, além de indignado com minhas notas baixas, espantou-se com os 10 em Canto Orfeônico. Nada me perguntou, mas escutei ele perguntando à minha mãe: - Como é que pode, Maria, esse cabra de peia tirar notas ruins em todas as matérias e só dez em música? Ele não sabe cantar e nem tocar, até assoviando é desafinado.
Passado algum tempo, certo dia meu pai estava na janela quando passava o professor de Canto Orfeônico com o estojo da flauta debaixo do braço. Pai saiu e interpelou o professor:
- Ângelo, me esclareça uma coisa que mágica você fez para meu filho só tirar dez na sua matéria.
O professor que era amigo dele não sorriu contou tudo sobre a mágica besta:
- Major (era o apelido de meu pai), como você sabe seu filho é nulo em música, e nós fazemos um coral na classe e ele insistia em cantar e atrapalhava o ensino.Não adiantou meus apelos, então fiz um acordo com ele, se parasse de cantar e atrapalhar só tiraria dez no boletim. Ele fechou o acordo, nem vai às aulas.
Pai me deu uma lição de moral, mas acordo é acordo. Nunca tirei uma nota menor que dez em Canto Orfeônico. Inté.