PORTO SEGURO E O ARCO-ÍRIS

Quando o dedo de Deus passou pela América do Sul e tracejou o coração solar do Brasil, encontrou Netuno guardando a costa da Bahia. Era um pedaço do Reino dos Mares onde as sereias despiam escamas e as trocavam por plumagens com as aves do Continente. Netuno, não gostando do que vira, enciumado, tratou de isolá-las no imenso mar de seu reino. Com as escamas das sereias – que eram tantas – formou um imenso arrecife, um colar escarlate, formando uma notável coroa vermelha. Tudo sob um céu claro com tontas brilhantes dançarinas estrelas que, a cada passo, deixavam um sinuoso rastro de luz. Despidas, as sereias foram condenadas ao degredo, em terra. E se tornaram índias no Arraial, por Ajuda. Deus, ao completar a obra e o roteiro dos mares, pediu a Netuno que guiasse o homem ao encontro do divino arraial. Que era de Seu zelo uma pátria plena de belezas agrestes. O Divino, ao encontrar Netuno, na sobriedade dos que obram com as coisas e os bichos, disse-lhe: presta atenção, mestre dos mares, atendi ao teu pedido. Os homens farão o resto. Farão filhos que terão a cara da noite, a cor do ébano. E o Criador disse mais a Netuno, à socapa das ninfas, que desejava uma demonstração de gratidão: todos os dias, antes do sol se pôr, farás um arco-da-velha. E desapareceu no espaço montado num trenó de nuvens. Muito tempo depois, chegado o dia 21 de abril de 1.500, as Sílfides fizeram os ventos. No dia seguinte, o colar de Netuno protegeu o navegador português da ira dessas ninfas dos ventos, que se haviam aliado às sereias. Quando o Almirante Cabral pisou em terra firme, as nuas sereias ofereceram o seu regaço, pois perceberam que os santos assim o desejavam. Esta é a razão pela qual, em Porto Seguro, Netuno risca o céu com o arco-íris em todos os poentes: homenagem às mães da Coroa Vermelha. Durante todo o ano o espetáculo acontece. Menos em setembro, quando é primavera, a estação das flores de Mãe-Terra, época de férias no Reino. Porque afinal nem Netuno era de ferro!

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/693395