Enquanto estive lá Fora...
Depois de um tempo longe das farras obstinadas da vida, ele atentou-se para o silêncio eminente do seu bairro. Lembrou-se das altas madrugadas, o cansaço ao chegar em casa e o estresse corriqueiro devido ao latido do Dog na casa do vizinho ao lado direito.
Após 40 dias de confinamento (isolamento), o mesmo latido que por vezes lhe incomodou nas madrugadas dos finais de semana, agora já soava como uma melodia, canção que lhe despertava de sua melancolia voraz. Flagrou-se por vezes olhando através da janela da sala o vazio da rua, sentia que havia em seu pescoço uma coleira, sua Linde territorial agora de fato e de direito, correspondiam às limitações do seu quintal cercado. Haveria segurança se ele permanecesse atrás das linhas de sua fronteira. Encontrar os amigos, secar aqueles litrões e rir dos tropeços diários, tornou-se um exercício da sua mente.
A cerveja espumando, as mesas abrigando o "suor" dos copos gelados, que "transpiram" momentos de descontração. Ele até conseguira relembrar as aulas fatídicas de física, preocupando-se em dizer à si mesmo, que não se tratava de
o copo com cerveja "transpirar", e sim o fato de que aqueles fenômenos são causados pelas moléculas de água presentes no ar no estado de vapor(gasoso). Afogou-se em seus pensamentos e lembranças, mas recuperou o fôlego ao perceber que a tristeza lhe apertava o peito. Ora, quem diria! A tristeza fazendo "massagem cardíaca" em alguém que afogou-se em suas próprias lembranças!
Não sentiu-se mais tão "afortunado" como outrora, olhando para os muros de sua casa, deu-se conta de que seu mundo era minúsculo, o ar dentro de suas muralhas particulares era insignificante, se comparado ao tamanho da sua necessidade de respirar LIBERDADE.
Tão cheio de amigos, sempre tão cortejado, cercado de atenção e admiração de todos. Era viril, destemido, apto à encarar e vencer os desafios aos quais a vida lhe submetia. Talvez por isso, houvesse ao redor dele tantos admiradores.
Aparentemente abalado com o silêncio, a monotonia em que a vida tornou-se nos últimos meses, decidiu soltar as mãos da sua prudência e cautela. Andar de mãos dadas com suas lembranças, passear por momentos contidos em sua memória não lhe bastava. Ele queria "viver" com a mesma intensidade que vivera até ali, sem amarras, sem limites, sem fronteiras. E assim o fez, ele fora visto por todos os cantos da cidade, ouvindo suas músicas em volume máximo na sua "máquina envenenada" (Um polo 2008, todo personalizado), visitando conhecidos, participando de resenhas com amigos. Ele abandonou infinitas vezes as fronteiras de segurança que os muros da sua casa "impunha-lhe", ele precisava de liberdade, pois em sua concepção, o preço de estar "preso" por um tempo para ter liberdade depois, era altíssimo. E assim, ele fez de seus dias monótonos, uma grande "agitação" indo e vindo, sem imaginar que um perigo silencioso e invisível o espreitara.
Embora a alegria de estar com pessoas o fizesse bem, o preço foi altíssimo, provavelmente mais alto do que ele mesmo supunha. A semana que antecedeu suas aventuras começou a cobrar o preço, o jovem amante da liberdade, sempre tão cercado de amigos, agora seguia sozinho, por ruas vazias, e não era em seu carro Polo personalizado, e tão pouco era ele quem dirigia. Naquele dia, ele não ouviu suas músicas preferidas, ele não esteve cercado de pessoas como outrora. O único som que quebrara o silêncio da sua última jornada naquele dia, fora o do carro fúnebre com sua sirene ligada. Se ele pudesse ver o tamanho dos limites que o cercam agora, certamente ele concluiria que as fronteiras de sua casa, eram a melhor e mais segura escolha de prisão, principalmente pelo fato de que elas lhe permitiriam viver a LIBERDADE de muitos outros momentos, que agora encerram-se solitariamente sob o solo frio e triste…
(Por Hámilson Carf)