da tarde, da paixão

Não me recordo quando, mas lá estava você. Não me lembro como começou, mas deve ter havido um início, no meio sei que estamos, eu pelo menos estou. Você nem tanto, estou entre aquilo que é vago e o que prende para que eu fique. O solo que vou pisando é movediço, some e reaparece, mas nunca é firme. Você bate a porta e eu abro, você não bate a porta e eu abro. Presença e ausência com você, mais do último, e eu sempre na busca. Me pergunto até quando? Me pergunto como cheguei ao ponto de reconhecer que paixão é algo que nos salva na madrugada, que nos tira do caos e nos coloca de castigo. E não há nada além do ponto, não há algo nas entrelinhas, tudo é explícito e eu atrás de significados, trocando pontos por vírgulas, presa em interpretações absurdas. Tudo é guiado pelo propósito, e você nunca foi guia, você se perde tanto quanto eu, mas no momento estou te procurando, te achar talvez seja doído e doido, você me achar seria bonito pelo menos para mim. E, eu queria que estivéssemos no âmago do bonito e feio, do ligeiro e daquilo que dura, queria uma coisa divina, queria o que tivesse de mais ingênuo e de mais cínico para nós. Paixão é rasgo, é gritante e você está imersa de silêncio, nas tardes, noites e madrugadas que procuro por barulhos incessantes. Há oceanos e mares, tudo é grandioso demais enquanto aproveito só, mergulho e tento te puxar, mas há sempre a mão que me puxa para não afogar, e seguro em seu braço para pisar nessa areia que me faz ficar parada, sem poder dar um passo adiante, mas tudo é tão raso e tem sempre você do outro lado. E tem sempre minha cabeça presa em gestos que não são seus, palavras que você não diria e tudo gira dentro de uma história que é só minha. Entre limites e impossibilidades você me dói, o tempo todo está sempre latejando, porque nada acontece após a barreira. Entre nudez e vulnerabilidade você me encontra fácil. Bateria na sua porta e permaneceria ali, enquanto o amargo se cristalizasse, e eu não precisasse mais de bater, porque tudo estaria aberto. E você me abraçaria entre medos, incertezas e cores. E nós acontecendo o tempo todo no que há de mais sagrado, no meio do instante que a névoa vai embora e tudo se torna infinito, devorador, até que nos sobre apenas casos para contar.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 30/04/2020
Código do texto: T6933367
Classificação de conteúdo: seguro