As contradições do isolamento
Devo confessar que no início do ano, quando a televisão começou a dar ênfase ao aparecimento do novo Covid-19, não acreditei que seria algo tão catastrófico e devastador. Acostumada a esse gosto ou mau gosto de grande parte da imprensa por dar publicidade às tragédias, pensei se tratar de mais um desses apelos sensacionalistas. Infelizmente não era, a situação fugiu ao controle e se alastrou mundo afora.
De repente nos encontramos num momento de isolamento social, de confinamento, de teste da nossa resiliência, paciência, tolerância, empatia, e assim por diante. E eis que as contradições começam a dar o ar da graça.
Começo falando a respeito do uso das mídias digitais, das plataformas de comunicação online. Até bem pouco tempo tentávamos argumentar acerca dos prejuízos que o excesso de uso dessas ferramentas poderia trazer à nossa saúde, seja física ou psicológica. Agora precisamos fazer uso desses recursos para trabalhar, para interagir com alunos, para manter o contato com os familiares. O que era um risco, passou a ser uma saída saudável, claro que usado de forma correta.
De repente, aquele apelo para sair do virtual e valorizar mais o contato real se inverteu, e essa inversão é justamente uma medida protetiva, de zelo por quem amamos e não podemos nos aproximar nesse momento. Cuidar sem tocar, ser presente mesmo ausente, só pra citar alguns dos contrastes ou paradoxos.
A outra situação contraditória tem a ver com aquela nossa insistência em não aceitar o que diz a psicologia sobre a necessidade nata da convivência, sobre as teorias que afirmam sermos seres que se constituem no contato com os outros. Sabemos e acreditamos nisso, mas somos sempre tentados ao isolamento, à competição, quando na verdade o que nos faz crescer e aprender é o contato com o outro, é a interação, a troca e, até mesmo os conflitos da convivência.
Quantas pessoas hoje, após essas duas primeiras semanas de isolamento, de Home Office, estão sentindo falta do grupo com o qual trabalha, mesmo aquelas que estavam se achando em um ambiente conflituoso, pesado. Parece que vai caindo a ficha de que é lá, no contato com os pares, com quem concordo ou discordo, com quem gosto de estar e com quem não suporto a presença, que a vida acontece. Sim, porque até mesmo aquelas pessoas tóxicas têm algo a nos ensinar.
Tem a contradição daquelas pessoas que muito se queixavam da falta de tempo para os filhos e a família. Do tempo para a leitura que não tinham. Do tempo para buscar aprender algo novo, fazer um curso online, escrever aquele projeto de Mestrado, escrever um artigo para publicar. Tantas coisas que não se fazia por falta de tempo. Pois é, talvez esse seja o tempo, mas muito provavelmente, poucos o estão aproveitando para colocar essas atividades em dia.
As contradições nas tomadas de decisões por parte dos gestores públicos, especialmente aquelas voltadas para a educação. Reduz-se os dias letivos, mas mantém a carga horária mínima. Uma conta difícil de fechar. Da autorização para aulas a distância, quando o Brasil ainda não desenvolveu uma política te inclusão digital. Como o aluno, sem equipamento tecnológico, sem sinal de internet e sem formação na área de informática e mídias digitais pode agora estudar online? Essa discussão tem que continuar no pós-pandemia. Sem paixões políticas ou ideológicas, mas assentada na realidade e nas necessidades das escolas, que mesmo preparando cidadãos para um mundo movido pelo digital, ainda não possuem sequer laboratórios de informática para atender às demandas dos alunos.
Texto do Livro: Crônicas de quem ama ensinar e adora aprender.
SILVA, zenilda Ribeiro da. 1ª Ed. – Sousa/PB: Independente, 2020. pp. 84-86