TANGO TRISTE
Um taxi a deixou no portão da nossa casa.
Viera morar conosco.
Magérrima, olhos miudinhos estupidamente azuis, soterrados ao par de bochechas rosadas que lembravam um bebê.
Pagou ao taxista, apanhou uma pequena maleta com seus pertences e foi chegando.
Alegre e cordial, apesar de não nos conhecermos ainda, transparecia a serenidade de alguém que a muito já habitava por ali.
Seu nome ? Margarida , a Margaridinha como era chamada dado ao seu porte mignon.
A idosa percorreu o pequeno trecho do jardim tecendo elogios às poucas flores sobreviventes do inverno.
- Goivos !? Amo de paixão! Exclamou apreciando as touceiras floridas ao redor da cerca de ripas.
Eles remetem-me à adolescência, tão distaaante !
Sabem ! Nas cartas que eu escrevia aos namoradinhos eu forçava a barra com versos deste tipo:
“Cravo goivo na janela
É sinal de casamento
Se quiser casar comigo
Não demore muito tempo!”
Alguns risos e a nova integrante da família então já nos conquistara.
Sobre a mesa posta, o café das tres. Bem à vontade, sorveu o lanchinho da tarde e partiu para suas exigências.
Tudo muito singelo. Queria em seu quarto, nada além de um quadro ou uma imagem de Santa Terezinha, sua protetora, a cama encoberta com as suas colchas de retalhos que viriam a seguir e o direito a um “litraço” de Pirassununga para “um golezinho e outro” até porque sou filha de Deus e ninguém é de ferro neste mundo.
Proferiu estas palavras com alegria enquanto ajeitava o pequeno copo de vidro – tipo martelinho- num canto da bolsa.
Adorou o quarto que lhe fora destinado.Abriu a janela dos fundos que dava para o quintal e deparou-se com um galo na maior das cantorias.Alegrou-se pelo “despertador” que teria ao seu dispor.
No decorrer dos dias fomos tomando conhecimento daquela que acolhemos em nossa casa.
Tinha orgulho em dizer-se russa e cozinhava como ninguém. Fazia pratos incríveis mas guardava a sete chaves suas receitas e não as compartilhava.
Assim aprendemos a amar Margaridinha – a russa.
Por vezes ingeria uns goles além da conta e tinha alguns desvios – destes tão normais à quem destila vapores etílicos acentuados.
Certo dia, chegamos em casa no horário do almoço. O trivial estava pronto,à nossa espera sobre a chapa do fogão à lenha.
Porém, a sala estava virada num fordunço.Parecia ter ocorrido um terremoto por ali.Sofás revirados, vasos e alguns copos quebrados,
água e brasas do fogão espalhados pelo chão...Trêmula, a russa, com um cabo de vassoura na mão gaguejava ao relatar sobre uma suposta cobra que haveria adentrado sala a dentro.
-Travei uma luta com a bichinha. Ela era ligeira, rebolativa, mostrava-me a linguinha.
Eu...Sou mais rápida que caninana.Cairam umas coisinhas, eu admito, mas me livrei da peçonhenta.
Onde está a cobra ? Pergunta-lhe mamãe.
-Sabe Deus ! Mas eu a matei. Tá aqui o pau.Eu sou daquelas que mato a cobra e mostro o pau.
Ou será que não matei ? Meu Deus !!! Evoca o criador subindo numa cadeira.
Serviram-lhe água com açúcar para acalma-la e por via das dúvidas todos em casa ficaram com o (...) na mão.
Vai que a cobra estivesse escondida em algum canto da casa?
Assim , qualquer objeto que tocasse na perna de alguém provocava uma crise de histeria, um pulo, um grito:
É a cobra da Margaridinha ! Que susto !
Episódio arquivado, a vida continuou o seu tranco.Margaridinha bebericando, cozinhando, e...Cantarolando estrofes de sua canção predileta:
-“Tango, tango triste !...Leva ao mundo esta mensagem de amor...”
Por vezes emocionava-se e uma lágrima disfarçada descia-lhe pelas bochechas.
Numa certa ocasião, convidados que fomos para uma festa de aniversário pela vizinhança, a russa não se conteve e entornou o pote, encheu a cara...
Era começo de noite e ela passou a dar um showzinho extra, fazendo com que meus pais,morrendo de vergonha. muito discretamente, pedissem-me que a levasse pra casa a fim de curar o porre.
Tentei, mas não consegui sozinho.Ela estava irredutível e pretendendo matar dezenas de cobras além de mostrar o pau.
Meu primo ajudou-me na tarefa, e de braços dados a conduzimos até nossa casa que ficava bem proxima do local da festa.
Tão leve, que parecia pluma,Margaridinha parecia flutuar enganchada à mim e meu primo.
Era tudo tão hilário que morríamos de rir .
[ Margaridinha, sem noção, sorria junto]
A certa altura o seu tango preferido veio-lhe à cabeça.
Entre um soluço e outro ela desanda a cantar.
Não conformada, decide-se a dançar conosco. Insiste ! Irrita-se ante nossa recusa, até que nos damos por vencidos e sob um luarzinho do tipo sem vergonha, na estradinha de chão por onde as vacas borravam sem o menor pudor, desviando as marcas estrumosas do gado vacum, dançamos e até cantarolamos com a nossa musa.
Hoje, navegando no you tube, deparei-e com o tango de Margaridinha, de quem quase nem lembrava mais.
CLIC NO LINK ABAIXO:
https://www.youtube.com/watch?v=RadeOCfDHkQ
Um taxi a deixou no portão da nossa casa.
Viera morar conosco.
Magérrima, olhos miudinhos estupidamente azuis, soterrados ao par de bochechas rosadas que lembravam um bebê.
Pagou ao taxista, apanhou uma pequena maleta com seus pertences e foi chegando.
Alegre e cordial, apesar de não nos conhecermos ainda, transparecia a serenidade de alguém que a muito já habitava por ali.
Seu nome ? Margarida , a Margaridinha como era chamada dado ao seu porte mignon.
A idosa percorreu o pequeno trecho do jardim tecendo elogios às poucas flores sobreviventes do inverno.
- Goivos !? Amo de paixão! Exclamou apreciando as touceiras floridas ao redor da cerca de ripas.
Eles remetem-me à adolescência, tão distaaante !
Sabem ! Nas cartas que eu escrevia aos namoradinhos eu forçava a barra com versos deste tipo:
“Cravo goivo na janela
É sinal de casamento
Se quiser casar comigo
Não demore muito tempo!”
Alguns risos e a nova integrante da família então já nos conquistara.
Sobre a mesa posta, o café das tres. Bem à vontade, sorveu o lanchinho da tarde e partiu para suas exigências.
Tudo muito singelo. Queria em seu quarto, nada além de um quadro ou uma imagem de Santa Terezinha, sua protetora, a cama encoberta com as suas colchas de retalhos que viriam a seguir e o direito a um “litraço” de Pirassununga para “um golezinho e outro” até porque sou filha de Deus e ninguém é de ferro neste mundo.
Proferiu estas palavras com alegria enquanto ajeitava o pequeno copo de vidro – tipo martelinho- num canto da bolsa.
Adorou o quarto que lhe fora destinado.Abriu a janela dos fundos que dava para o quintal e deparou-se com um galo na maior das cantorias.Alegrou-se pelo “despertador” que teria ao seu dispor.
No decorrer dos dias fomos tomando conhecimento daquela que acolhemos em nossa casa.
Tinha orgulho em dizer-se russa e cozinhava como ninguém. Fazia pratos incríveis mas guardava a sete chaves suas receitas e não as compartilhava.
Assim aprendemos a amar Margaridinha – a russa.
Por vezes ingeria uns goles além da conta e tinha alguns desvios – destes tão normais à quem destila vapores etílicos acentuados.
Certo dia, chegamos em casa no horário do almoço. O trivial estava pronto,à nossa espera sobre a chapa do fogão à lenha.
Porém, a sala estava virada num fordunço.Parecia ter ocorrido um terremoto por ali.Sofás revirados, vasos e alguns copos quebrados,
água e brasas do fogão espalhados pelo chão...Trêmula, a russa, com um cabo de vassoura na mão gaguejava ao relatar sobre uma suposta cobra que haveria adentrado sala a dentro.
-Travei uma luta com a bichinha. Ela era ligeira, rebolativa, mostrava-me a linguinha.
Eu...Sou mais rápida que caninana.Cairam umas coisinhas, eu admito, mas me livrei da peçonhenta.
Onde está a cobra ? Pergunta-lhe mamãe.
-Sabe Deus ! Mas eu a matei. Tá aqui o pau.Eu sou daquelas que mato a cobra e mostro o pau.
Ou será que não matei ? Meu Deus !!! Evoca o criador subindo numa cadeira.
Serviram-lhe água com açúcar para acalma-la e por via das dúvidas todos em casa ficaram com o (...) na mão.
Vai que a cobra estivesse escondida em algum canto da casa?
Assim , qualquer objeto que tocasse na perna de alguém provocava uma crise de histeria, um pulo, um grito:
É a cobra da Margaridinha ! Que susto !
Episódio arquivado, a vida continuou o seu tranco.Margaridinha bebericando, cozinhando, e...Cantarolando estrofes de sua canção predileta:
-“Tango, tango triste !...Leva ao mundo esta mensagem de amor...”
Por vezes emocionava-se e uma lágrima disfarçada descia-lhe pelas bochechas.
Numa certa ocasião, convidados que fomos para uma festa de aniversário pela vizinhança, a russa não se conteve e entornou o pote, encheu a cara...
Era começo de noite e ela passou a dar um showzinho extra, fazendo com que meus pais,morrendo de vergonha. muito discretamente, pedissem-me que a levasse pra casa a fim de curar o porre.
Tentei, mas não consegui sozinho.Ela estava irredutível e pretendendo matar dezenas de cobras além de mostrar o pau.
Meu primo ajudou-me na tarefa, e de braços dados a conduzimos até nossa casa que ficava bem proxima do local da festa.
Tão leve, que parecia pluma,Margaridinha parecia flutuar enganchada à mim e meu primo.
Era tudo tão hilário que morríamos de rir .
[ Margaridinha, sem noção, sorria junto]
A certa altura o seu tango preferido veio-lhe à cabeça.
Entre um soluço e outro ela desanda a cantar.
Não conformada, decide-se a dançar conosco. Insiste ! Irrita-se ante nossa recusa, até que nos damos por vencidos e sob um luarzinho do tipo sem vergonha, na estradinha de chão por onde as vacas borravam sem o menor pudor, desviando as marcas estrumosas do gado vacum, dançamos e até cantarolamos com a nossa musa.
Hoje, navegando no you tube, deparei-e com o tango de Margaridinha, de quem quase nem lembrava mais.
CLIC NO LINK ABAIXO:
https://www.youtube.com/watch?v=RadeOCfDHkQ