A dor
Doí. Não como cair da bicicleta e ralar o joelho. Não como quebrar o braço esquerdo caindo de um brinquedo. Não doí como perder a sua avó. Não é como saber que você dividiu a placenta com um ser e que só você sobreviveu. Não doí como ver o cara o qual é apaixonada, sentar no colo de outra garota. Não é uma dor de quando esse mesmo cara te ignora, depois de ter dito tantas coisas que te criou esperança. Não é uma dor física e nem interna. Não é uma dor de saudade, nem de ansiedade. Não é a dor de ver seu irmão pequeno chorar e não poder ajudar. Não é a dor de mentir ou de fingir.
Doí. Só simplesmente doí.
É algo negativo que cria internamente quando você se pergunta coisas, cria esperança, mas não poder se iludir, tem que apenas deixar ir. Você simplesmente deixa tudo ruim florir dentro de si, porque não quer deixar ir. Não quer acabar com isso, mesmo que tanta dor esteja presente.
Você sorri pra seus amigos, pra sua família e diz pra eles que está tudo bem. Não está. Você só quer que o tempo passe, quer fazer algo de útil pra que não veja que passou. Observa o relógio pendurado em cima da televisão da sala de estar e pensa que cada vez que o ponteiro vermelho faz uma volta o tempo está passando.
A música, os livros, a sua escrita, tudo é reflexo da dor. Você vê a sua dor, a sua tensão, tudo. Só vê. E a esconde, mantém a calma, não arranca páginas, não tenta matar seu ursinho de pelúcia preferido. Uma ligação, uma vibração, uma notificação, tudo lembra a dor. Ela te persegue e nada que faça muda isso.
Ela te causa coisas fora do comum. Não consegue tomar seu refrigerante preferido, desde o dia em que ela começou. Seu estomâgo fica enjoado. Sua garganta fica seca. Nem um banho ajuda. As coisas parecem ficar cada vez mais cansativas e a sua cabeça não quer pensar em nada. Quer ficar parada, sem duvidar, questionar... Só ficar parada. Só manter a cabeça na almofada e sentir cada coisa que mantém contato físico com o seu corpo.
Você não chora, não consegue, mas também não fica sorrindo, nem ri das piadas do seu irmão. E nem do sermão da sua irmã mais nova. Só escuta alguma música que nunca ouviu na vida e tenta cantar junto.
E quando você senta para escrever, fica encarando aquela página em branco e se pergunta se realmente nasceu para aquilo. Se pergunta porque as pessoas gostam tanto do que escreve. E quando tenta escrever, a dor permanece constante, aquela sensação boa de sempre não aparece. Nada parece igual, tudo parece anormal.
A vida não é mais tão legal. Andar de bicicleta, sentir a brisa sem ter uma brisa, doí mais do que tudo. Doí porque te faz lembrar da dor. Andar perto do lago e observar as pessoas caminhando, te faz ver a dor andando no meio da multidão. Você vê a dor e sente um alivio, tira um peso das costas, mas logo depois, ela some de vista. Ela nunca estava lá. Doí de novo.
Doí porque só há um remédio que tire a dor. E isso não se compra na farmácia ou na loja da esquina. Não adianta nada, ver filme, comer algo gorduroso, ver seu irmão mais novo sorrir. Nada importa.
Você anda pela esquina e pensa que a dor desapareceu ao ver que caras aleatórios piscaram para você, seu autoestima aumenta. Porém tudo volta, quando você liga seu celular e vê uma mensagem da dor. Ela te chama, pergunta se você ta bem, pede desculpas pelos seus sintomas. Você a diz que ela não está causando nada, mas sabe que cada palavra que ela diz, aumenta mais a dor. Tudo é preto e branco, nada mais parece belo e nem feio. A esperança vem e volta. Mas a dor permanece, latente, incomodando.
De madrugada, tudo volta, pior. A dor não para de falar. Fica lá. Conversando, como se nada tivesse acontecendo. E uma hora a dor desaparece... esqueço, ela é tão simpática e interessante. Lê cada mensagem como se fosse um alívio. Um grande alívio, porque independentemente que doa, sabe que está feliz.
A dor está feliz aonde está e como está. Talvez quer algumas coisas diferentes, uma vida menos monótona de todos os dias. Ou, só quer um amor. A dor quer um amor. E ela não aceita o meu, diz que sou boa de mais para isso. Mas na realidade, ela está dizendo que não sou boa o bastante. Eu não sou boa, porque se fosse, poderia receber o seu amor. Dor física. Dor quente, constante, ardente. Não some, não fica tranquila, se atormenta e quer o alívio de volta, mas as palavras não saem da cabeça.
Você é boa de mais. Você é boa de mais.
Não pode pensar. Porque se você pensar, vai se irritar, vai fazer algo por impulso. Não pode se mexer, precisa encostar a cabeça no travesseiro e assistir a TV. No entanto, nenhum canal a agrada, tudo parece sem graça, o tempo não passa. Liga o celular. Mais e mais mensagens da dor.
Sente pavor. Mais e mais pavor. Só quer ficar de baixo do cobertor, sem pensar em nada. Encosta a sua cabeça na cama e fecha os olhos, tenta pensar em algo que seja menos pior. Será que agora, nesse instante tem algum odor nesse quarto? Você nunca vai poder sentir o odor da dor. Tudo volta. Por que a dor não abandona a mente? Por que a mente é cúmplice dela? Por que ela simplesmente não esquece?
Pega o seu celular, mais mensagens. Não aguenta ler. A cabeça gira, sua irmã ronca na cama de baixo. O celular treme, treme, treme. É a dor chamando, dizendo coisas que deixam mais aflita e com mais pavor.
Encosta a cabeça no cobertor e tenta criar alguma história, mas toda vez que fecha os olhos lembra da dor. Abre de novo. Pega o celular, que não para de tremer. Esse é o maior inimigo. O celular. Ele causa essa dor, ele é o culpado disso tudo. Desse alvoroço. Você precisa acabar com essa dor. Você precisa.
Então encontra a solução, arremessa o celular, sem pensar. Não pensa nas circunstâncias, nas consequências, nos motivos. Apenas arremessa.
Deita a cabeça no travesseiro e percebe que não há mais dor. Ela sumiu, tudo acabou. Tudo. Fecha os olhos e vê a dor de novo, agora ela está mais calma e sorri para você, você sorri de volta.