O Trem Perto Passou
 
Quem viveu viu.
Não é à toa que aquele imperador afirmou: “Vim. Vi. Venci.”
Mas isto é coisa de outras histórias. Daquelas em que os professores – ex-seminaristas ou advogados fazendo bico na sala de aula – gostava de expressar seu pedantismo em latim. Outros tempos.
 
Vim e vi dois tempos.
O tempo machista em que as mulheres eram governantas em casa de seus governantes.  E este agora em que os gêneros masculino e feminino são  coautores, coatores e cooperativos.
 
Indo para a academia de exercícios corporais, porque a vida me ensinou que quem não se movimenta se cimenta, eu vi de forma inédita. E fiquei admirado com a mudança de mentalidade e atitude: aquele jovem homem manipulava agulhas de crochê.
Era bem cedo, nas primeiras horas laborais e ali esperando o coletivo estava ele. Eu caminhando às pressas para aquecer o corpo e chegar pronto para as atividades físicas e ele assentado. Indiferente a todo movimento da rua e seus primeiros transeuntes. Assentado em um degrau da calçada, de sua mochila saia uma linha feito naja obediente do faquir, que se ligava  a sua agulha. Não era agulha qualquer. Era uma agulha de crochê manipulada ritmicamente às mãos masculinas. Era um cidadão “crocheteiro”!
 
Ele acostumado já, certamente, aos novos discursos justificadores  se importava apenas com seu artesanato. Os outros, ah, os outros, é que se preocupassem com suas vidas.
 
Eu, eu “passei do passado para a pós-modernidade” em um trem bala, e não na fumaça da Maria locomotiva,  em um instante só.
 
Outras pedras preciosas que vi e achava que nunca veria por estas Minas barrocas foi mulher dirigindo ônibus, caminhão, trabalhando em borracharia trocando pneus de carros e – espanto-me porque se  o Batman teve Batgirl  (e o Robin) eu vi a motogirl entregando marmitex.
 
Naquele outro dia entrei na padaria para tomar café enquanto o coletivo não vinha. Do estabelecimento saia um homem forte, enfarinhado por toda parte do corpo... A figura fantasmagórica  fez-me acompanhá-la com os olhos. O trabalhador braçal se dirigiu para o caminhão que lhe aguardava. Da carroceria, outro ineditismo eu testemunhei: uma mulher com a força de um touro!
 
Ela pegou sacas de farinha de trigo e sem tontear entregava o produto para o companheiro enfarinhado que vi antes. Seu pai? Seu irmão? Seu marido? Ou quiça seu cooperador, seu parceiro de trabalho. Vá saber!
 
Observo aquilo que vi porque vim. Venci tempos!
 
Entrei   no  ônibus que eu esperava. Dele saia uma mulher enfurecida xingando... foi-se o tempo das “belas, recatadas e do lar”. É o tempo dos homens prendados de rendas: malhas de tricô e crochê.
Nem o crocheteiro era efeminado e nem as mulheres destas cenas, masculinizadas.
É o tempo em que gênero transcende o sexo.
Do lar e das ruas os belos e as belas.

 
Leonardo Lisbôa.
Barbacena, 2015.
 
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Lei do Direito Autoral nº 9.610,
de 19 de Fevereiro de 1998.
 
 
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 28/04/2020
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