CENAS URBANAS (nº3)

O FÔLEGO DO GATO

Um rapaz bem vestido, de boa aparência, gentil e caloroso aborda uma mulher no centro metropolitano. Para e a beija no rosto: -- Como está querida? Há quanto tempo não nos encontramos...

A mulher olha o rapaz, intrigada, pois não o reconhece. Associou logo com um possível ex-aluno da Universidade que ficava nas cercanias. Enquanto se mantinha confusa com o estranho que se dizia familiar, ele continuava a cantilena: -- Uma pena que não posso me demorar com você, pois tenho uma palestra sobre o combate à dengue na Secretaria de Saúde. Estou recolhendo donativos para os ambulatórios de Igrejas. Você quer contribuir?

Cada vez mais atônita e, estranhando a conversa, diz que está sem dinheiro. Quando procura o trocado na bolsa, o rapaz se desloca e diz em tom de zombaria: -- Vou me afastar para não pensar que sou um ladrão. Assim que recebe a grana, torna a beijar a mulher e some rapidamente na multidão.

No momento em que ele cai fora ela percebe que tinha sido um golpe de malandragem e, abriu sua bolsa para conferir se o gajo havia roubado alguma coisa. Tudo estava nos conformes. Não passou de um susto e o homem com sua lábia conseguiu enganá-la. Que tipo de abordagem foi aquela? Por que o gatuno não roubou de supetão a sua bolsa, já que estava desarmada com aquela encenação? Foi uma pegadinha? Um ensaio de laboratório teatral? Ou somente uma simulação de golpe para provar que “malandro que é malandro não degenera”?

ROMPENDO BARREIRAS

De repente, não mais que de repente, uma senhora branca se vê abraçada e beijada por uma mulher negra, moradora de rua. Esta mulher quase chorando lhe diz: - minha mãe, mãezinha. A senhora assustada tenta se livrar da reação afetiva, mas a negra a trata com carinho e continua emocionada. Foi um contato rápido e intenso carregado de emoção com muitos beijos e afagos descabidos, mas com gentileza e respeito.

A idosa procurou não adotar atitudes ríspidas, mas a insistência em chamá-la de mãe foi à brecha para conversar com a outra. Soube que sua mãe já havia morrido em um acidente. Com esse argumento consegue se afastar da desconhecida que vai embora contente e ainda afetada pelo encontro. Sem saber bem os motivos de tal associação a velha lembrou-se de Shakespeare “há mais mistérios entre o céu e a terra que toda nossa vã filosofia”.

MISOGINIA

No foyer de um museu a funcionária conversava com uma frequentadora. Via-se que se conheciam, mas não havia ninguém mais pedindo informações. Não estavam importunando ou atrasando nenhuma atividade.

Súbito surge um homem que, de forma agressiva se aproxima: -- Vocês estão “tricotando” muito. Quero uma informação. – Pois não senhor esteja à vontade. Só queria lhe dizer que não estamos conversando como “mulherzinhas”. E, o senhor é um “homenzinho”? – Olha como você me trata, sabe com quem está falando? – Não sei não, só sei que o senhor quis nos intimidar quando cortou a nossa conversa. –Pois você quer ver, eu lhe mostro a minha carteira de policial. – Não precisa mostrar nada, pois não tenho medo do senhor. – Então vou lhe mostrar quem manda por aqui e posso lhe prender.

A mulher ia continuar enfrentando o troglodita, que claramente queria lhe amedrontar. Mas pensou duas vezes e concluiu que o sujeito estava furioso e, poderia estar armado colocando em risco todas as pessoas que estavam por lá. Sabia que tipos “macho alfa” mudavam de atitude quando percebiam que suas vítimas se desculpavam. Foi o que fez.

O sujeito recuou rapidamente, mas ao invés de pedir informações à funcionária continuou provocando a mulher que o enfrentara. Só que se deu mal, pois ela foi saindo. Ele insistiu e acabou levando um fora: --O senhor não queria se informar? Pois faça isso. Eu já me desculpei, o que o senhor quer mais? E foi andando para o interior do museu.

Em tempos de avanço do feminicídio, de desrespeito aos direitos humanos até mesmo nos “templos de cultura” pode-se deparar com situações de violência. Todo cuidado é pouco.

ME ENGANA QUE EU GOSTO

Estamos em uma farmácia. Uma pessoa vai pagar os remédios comprados, além de deixar sua receita médica no estabelecimento. A consumidora pega o seu cartão de crédito e vai digitar a senha. Tenta duas vezes e nem mesmo consegue acessar a maquininha. O sistema estava lento. A encarregada do caixa pede o seu CC. Ela cede confiando que ia lhe devolver e não presta atenção quando a empregada lhe pede o código de segurança e fala em on line. Se fosse hábito comprar via internet teria ficado alerta e rejeitado a alternativa. Mas não se tocou. Em seguida recebeu o cartão de volta e foi informada que estava tudo concluído

--Mas como foi concluído se nem pude colocar a senha na maquininha? -- Mas eu lhe falei que era on line e a senhora me deu o seu código! – Eu não entendi o que você faria, pois se estou aqui, presente, como compraria por Internet? Se a compra é direta se deduz que o cliente não quer alternativa. – Nós sempre fazemos vendas com nossos clientes que moram longe ou que não podem vir à farmácia. – Mas a senhora confirma o que lhe disse. Se estou aqui é porque não quero e nem confio em compras on line. Até vou falar com o gerente de meu Banco, pois vi que é fácil o uso do cartão para roubar as pessoas. Imagine se o perco, qualquer pessoa pode comprar com o meu nome, pois o código de segurança está exposto. É um perigo e nada sabia. Se fosse funcionaria daqui não ia usar essa alternativa diante da presença do comprador. – A senhora está insinuando que estou sendo desonesta? Me respeita. – Mas quem me desrespeitou foi a senhora que não me explicou direito o que iria fazer. –Ah! entendo que sendo idosa não conhece os meios eletrônicos. –Aí é que está enganada, sou velha, mas não sou “analfabite”. Tenho mais experiência e um conhecimento maior que o seu. Há muitas denúncias sobre o assunto e vem tanto de velhos como de jovens.

Durante o bate-boca surgiram outros funcionários para amenizar o ambiente. A funcionária ficou desatinada e teve de sair para se acalmar. Depois de certo tempo voltou com uma solução: -- Já que a senhora reclamou vou estornar a sua compra. A consumidora concordou, mas viu que não desistiriam de seu pedido, pois a receita médica continuava detida. Mudou de ideia e pediu a receita de volta e a anulação da compra. Saiu da farmácia com a decisão que nunca mais voltaria.

Com o gerente de seu Banco confirmou que o código de segurança era o fator determinante dos roubos de CC, e poderia raspar o código e memorizar o número para qualquer emergência. Vivendo e aprendendo.

Saiu desta confusão achando que foi mais enganada pelo Banco do que pela funcionária da Farmácia. O episódio dos remédios foi desgastante, mas a omissão dos Bancos em relação à segurança dos clientes denuncia a ausência de proteção ao consumidor no Brasil. Que país é esse?

ISABELA BANDERAS

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2020.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 27/04/2020
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