REFLEXÕES DE UM CABOCLO
(Da série:Jogando conversa fora)
Sob um céu infinitamente azulado naquela tarde, vagava um cavaleiro.
A idade , por mais que ele usasse de um disfarce, já pesava-lhe aos ombros.
Cachimbo na boca, dentes amarelados , chapéu de barbicacho...O cavalo e ele, sorviam nos olhos cada milimetro da paisagem – azulada -
O odor adoçicado das floradas de vassouras e o cheiro do Tietê legítimo ! – na fumaça do cachimbo - unidos , geravam um bouquet com notas capazes de introduzir, em memória olfativa , o condutor do animal pelos mundos distantes de suas reminiscências.
Noitadas...
Finais de semana, a cabocla de flor no cabelo atirada em seus braços...
O corpo franzino, os cabelos longos, aquele cheiro de pó de arroz...
Lampião na parede, sanfoneiro tocando – a canção chorosa, dolente – o par rodopiando...
O chão encerado, os pares dançando, uma voz no ouvido, sussurrando...
-“Gosto de vancê ! “
O tempo passando, o par se casando, a casa, os filhos, a vida acontecendo...
[ Como eram igualmente azuis os céus daquele tempo, perpassa-lhe o pensamento ]
A mesa posta, parentes chegando, partilha, alegria, domingos festivos guardados agora na sépia do tempo.
O rancho, a lavoura, leiras serpenteando...
Trigais ondulados, penteados de ventos, figos sumarentos, quintais de dezembro.
A vida era doce, os passos altivos, os sonhos brotavam tais quais macieiras após os outonos.
Depois a saudade, o adeus, a partida, o “até nunca mais”.
Se fora aquela, da flor no cabelo, chinelo de dedos, vestido de chita...
O chão ficou árido , a despeito das chuvas, dos cachos de uvas, sabiás, laranjais...
Balem as cabras, saudosas, chorosas, acuadas, sem graça pelo mangueirão.
Agora esta estrada, a voz do vazio , cavalo em cadência, tal qual o seu dono, ruminando ausências.
A casa fechada, escondida no vale, quieta, estática, cheirando a bolor,esperando recheio.
Bendiz o caboclo, em silêncio profundo, o que ainda lhe resta na vida sem festa, sob as cores do mundo.
Olhos cansados, divisando a porteira e as duas vaquinhas a ser ordenhadas, mascando das ervas o gosto insosso de dias iguais.
Então, de repente , a vontade imensa de um “renascer “.
De cruzar a invernada, fazer tudo de novo, expulsar os fantasmas rasgar o infinito num grito incontido de:
Eu quero viver !
Lhe faz um menino no topo do mundo, a espera do abraço do amor que se foi.
O dia se lacra, em céu de goiabada e uma revoada, de asas cansadas, serena, calada, se vai...
A caminho do sol.
(Da série:Jogando conversa fora)
Sob um céu infinitamente azulado naquela tarde, vagava um cavaleiro.
A idade , por mais que ele usasse de um disfarce, já pesava-lhe aos ombros.
Cachimbo na boca, dentes amarelados , chapéu de barbicacho...O cavalo e ele, sorviam nos olhos cada milimetro da paisagem – azulada -
O odor adoçicado das floradas de vassouras e o cheiro do Tietê legítimo ! – na fumaça do cachimbo - unidos , geravam um bouquet com notas capazes de introduzir, em memória olfativa , o condutor do animal pelos mundos distantes de suas reminiscências.
Noitadas...
Finais de semana, a cabocla de flor no cabelo atirada em seus braços...
O corpo franzino, os cabelos longos, aquele cheiro de pó de arroz...
Lampião na parede, sanfoneiro tocando – a canção chorosa, dolente – o par rodopiando...
O chão encerado, os pares dançando, uma voz no ouvido, sussurrando...
-“Gosto de vancê ! “
O tempo passando, o par se casando, a casa, os filhos, a vida acontecendo...
[ Como eram igualmente azuis os céus daquele tempo, perpassa-lhe o pensamento ]
A mesa posta, parentes chegando, partilha, alegria, domingos festivos guardados agora na sépia do tempo.
O rancho, a lavoura, leiras serpenteando...
Trigais ondulados, penteados de ventos, figos sumarentos, quintais de dezembro.
A vida era doce, os passos altivos, os sonhos brotavam tais quais macieiras após os outonos.
Depois a saudade, o adeus, a partida, o “até nunca mais”.
Se fora aquela, da flor no cabelo, chinelo de dedos, vestido de chita...
O chão ficou árido , a despeito das chuvas, dos cachos de uvas, sabiás, laranjais...
Balem as cabras, saudosas, chorosas, acuadas, sem graça pelo mangueirão.
Agora esta estrada, a voz do vazio , cavalo em cadência, tal qual o seu dono, ruminando ausências.
A casa fechada, escondida no vale, quieta, estática, cheirando a bolor,esperando recheio.
Bendiz o caboclo, em silêncio profundo, o que ainda lhe resta na vida sem festa, sob as cores do mundo.
Olhos cansados, divisando a porteira e as duas vaquinhas a ser ordenhadas, mascando das ervas o gosto insosso de dias iguais.
Então, de repente , a vontade imensa de um “renascer “.
De cruzar a invernada, fazer tudo de novo, expulsar os fantasmas rasgar o infinito num grito incontido de:
Eu quero viver !
Lhe faz um menino no topo do mundo, a espera do abraço do amor que se foi.
O dia se lacra, em céu de goiabada e uma revoada, de asas cansadas, serena, calada, se vai...
A caminho do sol.