DEPOIS DE GOZAR

Depois de gozar ela vestiu a bermuda que era dele. Se sentou em frente a tela, encarando as tintas e os pinceis. Havia na pintura um edifício inacabado de uma paisagem de concreto... que; se eles fossem até a lanchonete ali em frente... notariam que a pintura, não era mais que um autorretrato.

Depois de gozar ele entrou no chuveiro ao som de uma canção dos anos 90 chamada “Floating” (“flutuando”) e ele quase flutuou um pouco... até um tanto a mais que vinte anos... Nada triste, nada alegre... Nada estupendo e nada de tragédia. Apenas ele, diferente...

Depois de gozar ela abriu a gaveta de calcinhas onde escondia chocolates. Os quais ele fingia não saber (fingia não saber, por que fingia se importar). E ele já cheirando a sabonete, beijou o filho que dormia, segurando um bonequinho de algum desses “caóticos cartoons da Netflix”.

Depois de gozar ela sentiu o seu cheiro de novo, passeando pela casa... apesar de não mais, assim... tão jovem. Assim não mais, tão novidade. Ela quis gozar de novo, mas alguma coisa a impediu. Fome talvez. Preguiça…? Decidiu tomar um banho e ficar cheirosa, como ele. Ela escutava uma canção chamada “Falling” (“caindo”), que era da mesma cantora chamada Julee Cruise. Era inevitável não compartilhar de gostos e manias ao longo dos – às vezes ligeiros/ às vezes longos – 11 anos juntos. Principalmente numa noite de domingo, perto de fim de mês. Com pouco dinheiro (fim de ano chegando...) e um filho tendo que acordar bem cedo no outro dia. Uma noite sem felicidade e sem tristeza, apenas uma noite… em que você vive e você simplesmente… Faz coisas. Juntos. E tudo o que fizeram antes: piscina de manhã, churrasco com amigos de tarde, passeio no parque de tardinha, pôr o menino na cama às oito e meia, começar a transar às dez e quinze, gozar às onze e dez… Tudo fazia parte de um plano. Um plano mental e emocional, feito sob medida pra eles, e POR eles.

Depois de gozar, um filme começou a passar na TV e ele suspirou aborrecido. “Já viu esse...”, reclamou olhando pra trás. Ela se aproximava com um “pijama de mulher decente”, que na verdade era só uma nomenclatura pra “não-sensual” ou “não-se-aproxime”, que ele já compreendia há anos, mesmo sabendo o que havia por trás dos pijamas.

Depois de gozar eles se sentaram abraçados, agarrados nos sofá… e ele beijou sua cabeça. Depois de gozar centenas de vezes eles ainda se amavam e assistiam uma pocaria de filme. “hum… acho que já vimos mesmo esse filme...”, ela concluiu, enquanto se aconchegava e bocejava de preguiça. Mas eles não mudaram de canal, continuaram assistindo. Depois de gozar eles encaravam a TV, mas não viam o filme.

Depois de gozar eles viam: Passado, presente... e futuro.