LIBERDADE SEMPRE!
DITADURAS
Nelson Marzullo Tangerini
Enquanto a televisão reprisava o filme “Getúlio, último dia de um presidente”, de João Jardim, com Tony Ramos no papel do ditador, uma prima não muito distante me enviava uma mensagem me lembrando que, hoje, 25 de abril, é aniversário da Revolução dos Cravos, quando portugueses libertários, há 56 anos, botaram os fascistas para correr.
No início do filme Getúlio, o presidente reconhece, em carta, que liberou a tortura em nosso país. Como entregou Olga aos nazistas. Quem tem dúvidas sobre aquele momento tão difícil, quando os integralistas se masturbavam com total liberdade e os comunistas e anarquistas eram perseguidos, basta ler os livros Olga, de Fernando Morais, e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos.
Enquanto a família Vargas se espraiava no poder, no Rio de Janeiro, ex-Capital Federal, o pai dos pobres, ou melhor, a mãe dos ricos, como era também conhecido, distribuía títulos e benesses para amigos que comungavam em sua cartilha.
É dessa época o soneto, de Nestor Tangerini, que ora publicamos:
“OUTRO PARA A HISTÓRIA
Também seu nome bordará na História
nas águas do bom sogro, o genro amado:
esse lobo do oceano, em plena glória,
que embasbaca Netuno e Marte, ousado...
Jamais há de sair-nos da memória
quem, por mar nunca dantes navegado,
marujo de brilhante trajetória,
tomou a Niterói, lá do outro lado...
Argonauta, que Fama não se poupe
a cobrir de louvor, qual lhe compete,
esse Almirante de galões de chope...
Esse da Pátria intrépido Piloto,
esse herói de batalhas de confete
- Augusto Alzira do Amaral Peixoto...”
O soneto foi registrado com o pseudônimo “Sargento Nesguy”, pois o autor tinha medo de represálias.
A ditadura Vargas continuava prendendo, torturando e matando, como pudemos ver no filme. Gregório tinha total liberdade fazer suas falcatruas e se meter em encrencas, como a da Rua Toneleros, onde, numa tentativa de matar o jornalista Carlos Lacerda, que estava acompanhado de seu filho Sebastão, o Major Rubens Vaz acabou sendo assassinado.
Minha avó paterna, Domingas Tambourindeguy, era gaúcha e costumava dizer que no Rio Grande do Sul não havia mais bandido, pois a família Vargas havia se estabelecido toda na Cidade do Rio de Janeiro.
Antigetulista, Nestor Tangerini escreveria mais um soneto, também registrado com pseudônimo:
“ÚLTIMA “FALCETA”
Para Raul Brunini
Esquecendo-me o lar, filhos e esposa,
passei a residir lá no Catete,
guardando, noite e dia, essa raposa
que me fez seu amigo e seu tapete.
E, misto de capacho e fidalguete,
ora mano Gregório, ora outra cousa,
fui, por meu amo (fino velhaquete),
a mão que sempre no punhal repousa.
Mas eis que em tal vigia adulatória,
para a prisão me levam, de homicida,
no primeiro fracasso em minha história...
E ele se parte, e deixa, sem socorro,
a quem matava pela sua vida
- e lambia-lhe os pés como cachorro...
Gregório Infortunato."
Em 1997, longe dos anos de trevas da Ditadura Vargas, e sem as ameaças das viúvas do ditador, os dois sonetos foram, finalmente, publicados no livro “I Coletânea Komedi/l997”, pág 89, Editora Komedi, de Campinas, SP, em 1997, sob a organização de Thiago Menezes.
Para homenagear um grande libertário português, Emídio Santana, já falecido, e uma das vítimas da ditadura de António de Oliveira Salazar, amigo do Cardeal Cerejeira, republico um de seus inteligentes sonetos, publicado no jornal A Batalha, de Lisboa, Portugal, em julho/agosto/setembro de 1986:
“NEM A MORTE O REDIMIU
Requiem por Salazar
[Inspirado no conhecido soneto
de Camões de requiém pela Natércia.]
Alma mesquinha que enfim partiste,
( - tão tarde!!! – diz o povo descontende)
Que vivas lá no inferno, eternamente,
Que ninguém por certo ficará triste.
E se lá no inferno onde caíste
Memória deste mundo se consente,
Que não esqueças esta lusa gente
A quem tão maus tratos infligiste.
E se vires se te é dado compensar
De algum modo a dor que nos deixaste
Destes quarenta anos de penar,
Roga a Deus, que a teu modo acreditaste,
Que bem cedo te mande acompanhar
Pela corja sinistra que criaste!”
Deixo aqui a minha homenagem a todos aqueles que acreditaram na liberdade e lutaram, com sua maneira, contra o fascismo.
Liberdade sempre!
25 de abril de 2020.