ESCRITOR NESTOR TANGERINI II

A ATUALIDADE DOS TEXTOS DE NESTOR ANGERINI

Nelson Marzullo Tangerini

Volta de meia, esbarro em manuscritos de meu pai, Nestor Tangerini [1895-1966], e me deparo, entre entusiasmado e surpreso, com a atualidade do autor.

O artista, mais uma vez retratado por mim, nos deixou obras primas de fino humor - no teatro, na música, na poesia, na crônica e na caricatura, de estilo cubista.

Da peça PRA DEPUTADO, por exemplo, encenada em 1935, no extinto Teatro Renascença, no Jardim do Méier, destacamos o texto que aqui publicamos:

Um arrogante deputado sobe ao palanque e profere um discurso empolado para um público ignorante e bestializado:

“Desnecessário seria dizer, a não ser somente quando, que em matéria de principalmente, nada melhor do que não resta a menor dúvida, donde se conclui que mais vale um homem todavia nunca do que jamais outro sem comparação alguma”

No final do discurso, o gado fundamentalista, como é comum neste país, aplaude o deputado.

Segundo anotações de Nestor Tangerini, seriam estes os títulos dos quadros do 1º ato: 1) Pra deputado, 2) Apresentação - Jacarandá, 3) Buena Dicha, 4) A neném é do amor, 5) Esqueci, 6) Não, Guiomar, 7) Cachaça de cabôco, 8) Amor à portuguesa e 9) Viva a Penha – Apoteose.

As músicas que fizeram parte do espetáculo foram: 1) Eleitores, 2) Apresentação, 3) Cigana, 4) Neném é do amor, 5) Não, Guiomar, 6) Casa de cabôco, 7) Amor à portuguesa – Fado e 8) Viva a Penha.

Sobre os outros esquetes da revista, estes não constam entre os manuscritos do autor, e podem estar perdidos para sempre, como tantos outros, uma vez que boa parte de seus trabalhos foram destruídos pela enchente de 1966, quando o Rio de Janeiro sofreu a pior catástrofe de sua história.

No livro Humoradas..., Editora Autografia, Rio de Janeiro, RJ, 2016, diversos sonetos satíricos, de cunho político, como Homenagens artísticas, A João Ribeiro, Nec plus aequo, A um zebroide, Outro para a história, Última “falceta”, entre outros, revelam a verve demolidora do artista.

Aqui, publicamos o soneto A UM ZEBRÓIDE, publicado no jornal AVANTE!, Rio de Janeiro, RJ, 1935.

(No dia de sua partida)

Medíocre bacharel, aqui chegado

para dizer e praticar asneiras,

eis que ao Governo deixas sossegado,

livre das tuas magistrais besteiras.

Que bons ventos te levem, desastrado

ministro de bobagem, e, ligeiras,

mil rajadas te joguem para lado

bem distante das terras brasileiras!...

Vai-te, zebroide, e vai-te àquela parte!

E, onde fiques, procura, in-continenti,

o que te apraz e não souberam dar-te.

Pois aqui, por um erro, grande, vasto,

uma pasta te deram de presente,

quando te deveriam dar um pasto...

O poeta, porém, reescreveu, o soneto acima, apresentando-nos uma outra versão: o 1º quarteto; 2º verso, foi modificado para: ”para dizer e só fazer asneiras”.

Ali, entre inúmeros sonetos, figura o interesse poema Bossa Nova / Bomba {Poema atômico], meio modernista, meio Gregório [de Matos, evidentemente], escrito em 1964:

“A Rússia soltou uma bomba

de cinquenta megatons;

Portugal soltou uma bomba

de cinquenta mil gatões.

A vanguarda é do Brasil,

terra de heróis e tribunos;

a vanguarda é do Brasil

que há muito soltou uma bomba

de cinquenta mil gatunos”.

Exímio gramático, o artista deliciava-se, também, com a leitura de Camões, Bocage e Gregório, o que lhe deu toda esta habilidade literária. Muitas vezes o vi atracado com seus livros, bem como invadindo a madrugada a beber a sabedoria dos grandes nomes da literatura universal.

Sabia, portanto, que escrevia, ao lado de seu amigo Luiz Leitão, poeta niteroiense, que escrevia seu nome na literatura satírica de língua portuguesa.

Ler as grandes obras nos fazem ver como a história se repete, pelo menos, politicamente.

Os textos de Nestor Tangerini aqui publicados, pertencem ao meu livro ‘Perfil quase perdido”, registrado na Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, RJ, em 2000.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 25/04/2020
Reeditado em 25/04/2020
Código do texto: T6927855
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