Caveira
Quando eu estava no Ginásio (Ensino Fundamental), a professora inventou de convocar-nos para uma enfadonha Feira de Ciências. “Trabalhar” nesse maldito evento, valeria nota. Então, vamos lá. Mas apresentar o quê, o trabalho era individual, e eu não era nenhum geniozinho.
Chegando em casa, me vi sem saída de onde me meti. Quando, do nada, avistei um crânio velho, parecendo falar: “Leve-me, leve-me”. Tal qual Hamlet, diante de um dilema, não tive dúvidas, com a culpa de quem está cometendo um grave delito, apanhei aquele crânio insepulto, escondi na mochila e saí correndo.
Aquele objeto havia sido perfeitamente modelado em argila por meu irmão (este sim, um geniozinho), para uma dessas odiosas feiras escolares. O trabalho já estava pronto. Bastava levá-lo e expô-lo no evento. Com o mais difícil pronto, engambelar a sociedade estudantil seria o mais fácil.
No dia, planejei a fuga, coloquei a peça na mochila, esperei o momento propício, para não ser flagrado em pleno delito e inquirido, e saí rápido, sem despedir de ninguém. Levando aquele simulacro de caixa óssea que protege o cérebro, me senti como alguém que, depois de violar uma tumba, fugia, saindo do cemitério, com um sentimento de culpa.
Na exposição, eu agi burocraticamente, para não ter que dar muitas explicações sobre algo que eu desconhecia completamente. Apesar da incapacidade em explicar a anatomia humana, exibi uma fisionomia blasè de quem sabia que havia feito algo normal (para os gênios). Todos me cumprimentavam, como se tivessem diante de um novo Da Vinci, me senti um talento sendo descoberto. Descoberto pela genialidade, nunca pela fraude daquilo tudo.
Quando acabou o evento e a farsa, eu recebi uma sobrenatural nota alta, o que deu algum sentido àquela trama toda. Nos trabalhos seguintes eu voltei a receber correspondentes notas medíocres, iguais aos meus parcos conhecimentos de Ciências. Mas, para os outros, eu sabia fazer caveira de argila. Mal sabiam que eu não era o artífice daquele artefato.
Por sorte, não teve outra Feira de Ciências, de modo que a minha máscara não caiu. Apesar desse episódio eu não virei um profanador de sepulturas, nem vilipendiador de cadáveres. Depois desse acontecimento, eu vejo vultos e ouço vozes. Deve ser a culpa me perseguindo.