Faz tempo...
Depois de seguir reto pela avenida principal da cidade e passar pela casa do seu Nezinho, à direita e do seu Antonio Brito, à esquerda, eu descia a ladeira do professor Moura. Lá embaixo estava o barracão da máquina de pilar arroz do seu Pedro Flor. Depois era a casa do prefeito Evaristo Reis. De calçada alta, aquele casarão está sempre em minha mente. Nessa calçada ficavam assentados em cadeiras grandes feitas de fitil ou espaguete, como chamávamos, os filhos do Prefeito Evaristo e dona Esmeralda. Eu ia tomar banho no açude da Baixa. Ia já à caráter, sunguinha de banho, uma azul que eu gostava muito. Achava, como menino, que estava abafando, afinal de contas eu era da Capital e eles é que eram os caipiras, do interior.
Mas, não tinha jeito, todas as vezes que eu passava com os meus primos em frente à casa, eles ficavam tirando sarro de mim.
- Olha a menininha, de tanguinha!!! – diziam as meninas.
- Ê mulherzinha!! – falavam os outros.
Eu chateado gritava, quase me esgoelando e gesticulando com as mãos:
- Mas isso não é uma tanguinha de menina, é uma sunga de banho de menino, seus burrões!! E completava: Olha aí, dona esmeralda, eles mangando deu, fala pra eles pararem com isso.
E dona Esmeralda toda sorridente na sua cadeira de balanço, com toda a paciência dizia: - Coitado! Parem com isso, tadinho! Ele tá lindinho com essa sunguinha!
Depois eu passava em frente à casa do vô Mundico, estava já velhinho, sempre de pijama, assentado em sua cadeira de balanço na varanda da casa. Eu passava e ele acenava sempre sorrindo e tranqüilo. O senhor Mundico que foi o primeiro prefeito de Agricolândia, antiga feitoria dos Leal.
Mais à frente estava a casa do Fransquim do Moura, depois chamado de Chico Moura. Sempre cordial também comigo. Ele tinha um comércio bem à beira já da lagoa e fazendo limite com o açude, na curva da estrada que vai lá pro alto fresco, pitombeira e... São Pedro do Paiuí.
O açude era perigoso, mas eu não estava nem aí. Sabia que o avô dos meus primos da família dos Pandeiros, havia morrido afogado ali, mas ele estava bêbado e foi pro açude, então... Mas, muito menos meus pais estavam preocupados. Até porque muitas vezes eles nem sabiam que eu ia lá tomar banho. Quem ainda ficava preocupada, mas não podia fazer nada, era minha avó, mãeiza. Velhinha, coitada, o que ia fazer? Eu tomava banho até enjoar e depois voltava, cansado e todo cinzento do barro azul do lugar e que impregnava toda a água e passava para o corpo da gente.
Quando nós voltávamos, o suplício era o mesmo. Lá estavam todos eles para mangarem de mim. Parecia que marcavam a hora certa que eu iria voltar para me atuzingarem com suas vaias à minha sunguinha azul.
Hoje, fico sorrindo, lembrando daquela cena de mais de quarenta anos atrás. A baixa ainda está lá. Os casarões não mais. O seu Nezinho, Antonio Brito, professor Moura, Seu Mundico e seu Pedro Flor já morreram faz muito tempo e seu Evaristo Reis também. Pois eu era criança e eles já eram idosos. Dona esmeralda ainda está por lá, mora na capital, Teresina. Os filhos deles não sei que fim levaram, outro dia, pra minha surpresa, vi a foto de um deles, o Hélder. Chico Moura vez em quando tenho notícias. O açude, nem sei mesmo se ainda tem água, nem se existem crianças como eu que amavam uma aventura e arriscavam tomar banho nele. De uma coisa tenho certeza, eu amava tudo aquilo, com mangação e tudo! Toda vez que me recordo vou às lágrimas, vejo que eu fui muito feliz e vivi intensamente minha infância. Certamente os outros nem se lembram.
Foram-se todos por destinos diferentes, foi-se o mangar de mim, foi-se minha sunguinha azul e os sorrisos verdadeiros. Restou-me a dor da saudade, do amor que sempre tive, no meu coração, por tudo e por todos.