Penas no chão

Pisei no passeio da casa de mamãe e fiquei debaixo do simpático pé de murta. Mamãe veio de dentro da casa e nos cumprimentamos, apenas sorrindo uma para outra, porque nesses tempos tristes de pandemia do Novo Coronavírus, o abraço e o beijo estão proibidos. Enquanto conversávamos sobre como seria nosso dia na fazenda, pois aguardávamos papai sair da garagem com sua caminhonete, mamãe disse, cheia de pesar, apontando para o chão, no canteiro do pé de murta: - Meu Deus, será que é o filhotinho da trocal? Havia ali só um punhado de penas pequenas e acinzentadas. Saí correndo para avistar o ninho, feito no poste da energia elétrica. O ninho, se pode ser chamado assim, constitui-se de uns poucos ramos ajuntados, desmazeladamente, pela mamãe trocal. Acompanhamos a postura e a choca dela. Chegamos a ver seu único filhotinho crescer, até estar no ponto de voar. E o resto dele estava ali pelo chão... Eu gosto de gatos, mas tive uma súbita raiva crescendo dentro de mim. Gatos malvados! Foram eles que transformaram um vôo novo e imaturo em peninhas pela calçada. Dias de sol quente e de chuva, de trabalho maternal, de amor e persistência, tudo isso resumido à trágica cena que vimos e que adivinhamos o fim. As penas denunciavam o trabalho da natureza. A calçada estava manchada de morte.

Cassia Caryne
Enviado por Cassia Caryne em 22/04/2020
Código do texto: T6924845
Classificação de conteúdo: seguro