Idosos na Balada de Narayama
 
          No meu aniversário, medito, lembrando-me do belíssimo filme de Shohei Imamura, Balada de Narayama, que foi a primeira película japonesa a receber, em 1983, a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Seu tema é recorrente: as idades da vida humana e como elas são consideradas dentro da economia na sociedade. O roteiro trata de um pequeno povoado japonês, no século XIX, que tinha pouco espaço de terra e de clima para plantar e colher o suficiente para alimentar a gente daquele vilarejo. Então, a mesquinhez de algum “economês”, em vez de se dedicar à melhor economia de produção e distributiva, determina eliminar parte da população que estivesse em idade acima dos setenta anos, o que se tornou exigente costume e de força cultural, naquele lugar. Quem chegasse aos setenta anos deveria já estar com os dentes perdidos, dando sinal a ser levado ao topo da montanha ou à Narayama, onde faleceria de fome e frio e seria devorado pelos abutres. Quem, depois dessa idade,  não se mostrasse benguela ou desdentado teria parte com o diabólico. A senhora avó, naquela família, a mais experiente, sábia e dinâmica, mostrava ainda sua dentadura perfeita, mas, por pressão social, quebrou os dentes no rochedo e  nas pedras de casa. Depois disso, foi levada, a contragosto do filho mais amado, à dita Narayama...
          Dizimar a população em nome da economia tem recebido, na perversa  história da humanidade, vários modos e facetas, entre eles, a guerra ou o mal cuidar das epidemias... O que se altera é o subterfúgio das justificativas: às vezes religiosa, ideológica, política, mas todas essas sempre tendo a economia como fator principal. Agora mesmo, essa “economia” é alçada à prioridade em detrimento da saúde, à qual ela deveria servir como meio para que aconteça sua finalidade ou seja a saúde do povo... Entre tantos disparates, escutou-se, ao desdém, a malíssima profecia: “A maioria vai ser infectada, e daí?” Por fim, veio o atual maior dirigente da saúde, indagando quem devemos salvar, num momento em que houver um jovem e um idoso enfermos...
           A Filosofia humanista e a doutrina cristã responderiam: a vida ou os dois! Mas o “utilitarismo financeiro” sempre ponderará o lado da produção e do lucro, ou que se poupe o que tiver mais energia à produção. Pouco lhe vale o que se investiu na pessoa idosa, mesmo que tenha ela muito ainda a contribuir com sua experiência e sua sabedoria no trabalho. Ainda sobretudo, porque se trata de criaturas humanas. Não foi por outro motivo que, quando se pensou “acabar com analfabetismo no Brasil”, houve quem dissesse que não se deveria gastar dinheiro com “educação de adultos”, mas empregar tais recursos ao ensino para as crianças, na faixa etária própria à alfabetização.Tal tese foi rechaçada pelo educador e antropólogo Darcy Ribeiro, ao argumentar que  todas as  pessoas, em qualquer fase da vida, merecem gozar do direito à educação na sua plenitude. Sem perguntar a idade do caro leitor, confio-lhe sua opinião ou que ninguém mereça ser levado à Narayama...