Dor fininha

Dor fininha

maria da graça almeida

Pedi que passasse devagar.

Pelo menos isto, já que me faltava coragem para entrar. Pudera! Das duas últimas vezes, a experiência fora desastrosa.

Assim que chegou à rua, minha irmã desacelerou. Calou-se.

Sabia que sua mudez era uma forma de respeito à dor que mais uma vez sabidamente eu sentiria.

O coração bateu-me rápido. Meus olhos conferiram a solidão e o silêncio.

Ainda que deserta, consegui ver, na calçada, as cadeiras de antigamente que no fofo das almofadas suportavam corpos inquietos, ou relaxados.

Na rua silenciosa, pude ouvir a algazarra das crianças de outrora.

Percebi uma dor fininha que me abusava do peito.Estranhei. Até então, sentia-me bem.

A casa estava ali, pintada de amarelo claro; portas e janelas brancas, porém, sob minha visão ainda as paredes vestiam camurça, a cor de tantos e tantos anos.

Tudo me pareceu como antes, como se o tempo tivesse capacidade de voltar.

Minha irmã parou o carro. Imediatamente pude pressentir que a saudade, a alegria, a surpresa, a decepção, o pesar, aprisionados naquela casa, onde eu fora tão feliz...e tão triste, dançavam a Valsa do Adeus. E nunca mais parariam.

O adeus não é fugaz. O adeus persiste, pois possui a perenidade do nunca mais.

Então, entendi as razões da dor fina que em mim insistia.

Constatei que dor fina dói mais, porque, fina, penetra mais fundo.

O bem material permaneceu ali, conservado, enquanto se fora para sempre o bem maior.

Minha irmã saiu devagar. Levou-me dali. E eu, sobre os ombros, tentei levar o calor dos braços da minha mãe e dentro dos olhos, a doçura do olhar de meu pai.

maria da graça almeida
Enviado por maria da graça almeida em 18/03/2005
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