JOGO DO BICHO

O nome do bar era “Bom sabor”.
Sugestivo de nome, mais ou menos aconchegante no cômodo.
[ Era pequeno demais para o volume da freguesia que havia arrebanhado]
Assim, lugar comum eram as cadeiras,os bancos, banquetas e mesinhas espalhadas ao longo da calçada.
Ninguém ! Por ali passava sem que fosse “inquirido”, digamos assim.
As mulheres optavam pelo outro da rua e ainda assim abrigavam aos ouvidos os mais diversos galanteios, de gosto duvidoso em sua maioria.
A esposa do proprietário, polaca de olhos de céu e cabelos de campos de cevada em ponto de colheita, punha em ação pos seus dotes culinários e assim – entre uma cachaçinha, uma cerveja e outra – a freguesia deliciava-se com os pirogues, os charutos, as cucas recheadas e outras preciosidades da culinária polonesa.
O sucesso mostrava-se a olhos vistos, faltava a boa vontade do proprietário em abrir as mãos e aumentar as dependências do “Bom sabor”.
Mas vamos ao que interessa de fato.
No interior do “Bom sabor”, funcionava um ponto de jogo do bicho.
Dentre os inúmeros fregueses que faziam sua “fézinha”, destacava-se Claudionoro, um servente de pedreiro que costumava aplicar um bom quinhão do que ganhava no dito jogo de azar.
Ganhara dezenas de vezes, ainda que valores irrisórios, o que lhe alavancava a jogar sempre mais e mais na  esperança  de um  dia  quebrar a  banca.
Todos os dias, logo após o almoço, aparecia para saber do resultado, depois tomava o caminho do trabalho.
Numa certa tarde, aproximando-se do bar, percebeu as portas fechadas,apenas a janela aberta.
A esposa do comerciante , excepcionalmente, era quem atendia naquela ocasião.
Claudionoro foi se achegando.
Bebeu um martelinho e quis saber da mulher o resultado do jogo.
- Num sei nada de “bichos do jógo”, isso é com meu véio e hoje ele não vai atender.
-Porque ? Pergunta o servente de pedreiro.
-“Moréu” melhor amigo dele. Foi no velório.Naquelas casinhas lá na beira do rio.Aquelas que alagam com com qualquer chuvinha.Se quiser ir até lá, pergunte pela casa do morto perto do pontilhão.
Claudionoro nada respondeu,ainda que confabulasse com seus botões:
-É ruim que não vou ! Não posso ficar sem saber do resultado.Vai que ganhei alguns trocados!?
Vou lá, me finjo de amigo do morto e quando o bodegueiro estiver distraído, pergunto o resultado.
Chega ao velório.
Alguns poucos gatos pingados velam o defunto.
Ao longo da cerca de ripas recostam-se alguns amigos do finado.
Adentra.
O bodegueiro, com seus 1,90m, barriga saliente, chapéu na mão, está inconsolável !
As lágrimas já quase secaram,mas uma espécie de rinite o ataca e com frequência ele dá uma generosa espirrada sobre o morto.Depois enxuga o narigão num lenço escuro.
Percebendo a presença do seu cliente abre o choredo, fala das qualidades do falecido, das farras e noitadas em que tocaram o (“FOD...”) juntos, enfim...
O freguês, interessado tão somente em saber do resultado do jogo, faz seu teatrinho num pranto mansinho, discreto.
O tempo vai passando,o bodegueiro abranda-se e o viciadinho no jogo percebe ter chegado a hora de perguntar do resultado.
Olha para os lados, ajeita o bigode e quase cochichado indaga ao bodegueiro:
-Mas...Diz aí ! O que deu no bicho ?
Ao que o bodegueiro responde:
- Olha !!! Uns dizem que foi AVC, outros dizem que foi infarto.Mas isso só Deus é quem sabe!
Buahhhhhhh! E cai num choro compulsivo novamente.