COVID19 – O DIÁRIO DE UMA DOENÇA
(Esta não é uma obra de ficção. Todos os horrendos detalhes aqui narrados são a mais pura realidade por mim vivida nos últimos dias. Recomendo cuidado ao leitor mais sensível)
Prólogo
O ano é 2016. Setembro ou outubro, talvez. Sou acometido de uma gripe muito forte, provavelmente H1N1. Uma dor de cabeça infernal, dor de garganta, dores no corpo, um fechamento das vias aéreas, que dificulta a respiração e uma tosse que me impede de ter, inclusive, uma boa noite de sono. Nenhuma febre, entretanto. Depois de uns cinco dias de agonia, passo a sentir muita dor na base do pulmão, e resolvo ir ao hospital, com receio de ter contraído uma pneumonia. Por sorte não é nada, exceto um estresse muscular pelos dias ininterruptos de tosse. Tomo Doralgina para a dor no corpo, Tylenol Sinus para reduzir a dor de cabeça causada pela sinusite, diclofenaco de potássio para reduzir os efeitos de uma bronquite asmática, ou algo do gênero, e um antitussígeno a fim de dar uma pequena trégua para o meu diafragma. Passada a fase aguda da gripe, ainda amarguei quase duas semanas para me livrar do pigarro e voltar a uma vida normal.
Assim, é possível imaginar o meu estado velado de preocupação quando se falou em Covid19: se com o H1N1 foi assim, imagine o que será de mim com esse novo vírus chinês. Renovei o meu cartão de sócio da UTI, atualizei o meu testamento, informei os mais próximos a senha das minhas contas (a pagar) e tomei assento na plateia do destino, esperando pelo melhor.
No dia 10 de abril de 2020 ela chegou! E esta saga “aterroradora” passo a descrever agora.
Dia 10 de abril
Minha garganta passa a arranhar, incomodando um pouco. Vou dormir e tomo, por precaução, uma vitamina C.
Dia 11 de abril
A garganta melhora. Tenho um pouco de dor de cabeça. Ela incomoda, mas não o suficiente para me fazer tomar algum remédio. O Celso, meu irmão, lê em algum lugar que o chá verde tem efeitos semelhantes à cloroquina sobre o vírus. Não sei se tenho covid ou não, mas por via das dúvidas decido tomar uma xícara diária de chá verde com duas gotas de própolis. Mal não fará. Vou dormir e tomo outra vitamina C.
Dia 12 de abril
Nada de novo no Front, exceto um sono excessivo no final da tarde. A garganta volta a arranhar, a dor de cabeça permanece. Tomo chá verde e vitamina C.
Dia 13 de abril
Hoje ela chegou. Forte e incisiva. O corpo está pesado, a cabeça dói muito, a garganta incomoda. O mundo está em câmera lenta. Passo o dia dormindo e procurando por um padre disposto a agendar uma extrema-unção para os próximos dias. Tenho febre: 37ºC em uma primeira verificação. Horas depois ela alcança 37,5ºC. Verifico e reviso no Waze o caminho para a UTI mais próxima, mas descubro que eles não fazem reserva antecipada. Comento com algumas pessoas e todas me perguntam se perdi o olfato. Não perdi. Logo não deve ser a temida praga chinesa. Antes de me recolher verifico a temperatura novamente: um pouco acima dos 38ºC. Da lição aprendida com o H1N1, tomo uma Doralgina para a dor no corpo, um Tylenol Sinus para a dor de cabeça e a vitamina C. Me despeço do mundo e vou dormir esperando o pior.
Dia 14 de abril
Contrariando a todas as expectativas (ao menos as minhas) acordo na manhã seguinte. E não só isso: a febre se foi, a dor no corpo se foi, a dor de cabeça se foi. Imagino ser uma pegadinha da arma biológica, projetada para minar o moral do inimigo: uma breve trégua para, a seguir, dizimá-lo sem piedade. No final da noite a dor de cabeça volta. Repito a dose da noite anterior e vou dormir.
Dia 15 de abril
Acordo com um peso no pulmão. Aqueles que já tiveram bronquite asmática sabem do que falo. Pronto! É isso! Adeus mundo cruel! Ou não… É algo leve. Resolvo colocar alguns mL de soro fisiológico no nebulizador e inalar. A sinusite melhora e, incrivelmente, a bronquite também. Ao fim do dia durmo bem, de novo.
Dia 16 de abril
Check up matutino: Bronquite? Não; Dor de cabeça? Necas; Cansaço? Nop; Figura negra com uma foice ao pé da cama? Nem sinal. Tenho um pouco de pigarro, mas nenhuma tosse. Resumindo: nenhuma novidade. Tomo o chá verde durante o dia, mas, ao deitar e nem me lembro de tomar os analgésicos. Seria a calmaria antes da tempestade? Ou, vai ver, nem Covid19 isso é! Afinal não perdi o olfato.
Dia 17 de abril
Acordo nas CNTP. Tudo ok, tudo normal. No meio da tarde como uma maçã: ela é incrivelmente doce e azedinha. Penso comigo: “que maçã boa”. Mais tarde, resolvo fazer frango à parmegiana e percebo que o meu tomilho parece estar velho e sem aroma. O mesmo ocorre com a sálvia. E com a pimenta do reino. E com o vinagre. Este arde no nariz, mas falta-lhe o cheiro acre característico. Levo um tempo até a ficha cair completamente: ou devo renovar toda a dispensa, ou meu olfato se foi. A segunda hipótese é mais barata e, considerando-se o fato que perfumes, desodorantes e shampoos também passaram a ser inodoros, acredito ser a hipótese correta.
Epílogo
Hoje é 18 de abril. Embora nada tenho ocorrido como a TV nos faz acreditar, é certo que contraí o Covid19. Ainda espero uma piora súbita e uma morte lenta e dolorosa em uma UTI, em um hospital de campanha super-faturado, proibido de ser medicado e em total solidão, já que o ex-ministro da saúde disse que todos precisam ficar em casa. Deixo, assim, estas últimas palavras, certo que todos os políticos e a mídia em geral tem razão e só desejam o meu bem. E você, caro leitor, tenha a certeza de que todas as informações alarmistas sobre a gravidade da doença e sobre o índice inexorável de mortes que ela causa são a mais pura realidade. Em breve serei apenas mais um número nesta estatística macabra.
Afinal, devemos acreditar em tudo aquilo que nos dizem, não é mesmo?