A igreja do diabo, uma narrativa adaptada
Em A igreja do diabo, Machado de Assis faz uma narrativa carregada, tensa e perturbadora, mas de simples compreensão. Para o leitor mais aprofundado em questões ideológicas serve de paradigma político, porém para o leitor ainda mais aprofundado no momento brasileiro serve como modelo.
Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.
Essa foi a trajetória do presidente Jair Bolsonaro, parlamentar de pouca expressão, movido por interesses provincianos e pessoais. Associado constantemente ao baixo clero, que é composto por deputados ratazanas que se escondem em plenário, fogem da tribuna e se encontram na calada da noite para repartir migalhas, lamber as unhas e sujar suas biografias.
Os partidos da extrema direita com apoio de uma sociedade vinculada moralmente ao fascismo, às empresas evangélicas e ao empresariado escravocrata, construíram no Brasil a igreja do diabo, doutrinando e persuadindo vulneráveis de que o mal pode ser melhor do que o bem.
Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. – proclamou o diabo.
O negativismo desse grupo genocida provoca, entre os fiéis seguidores da igreja do diabo, uma ira contra os poderes constituídos. O fanatismo desmobiliza os movimentos e relatórios emitidos pela Organização Mundial da Saúde para o enfrentamento à pandemia, e vão às ruas reivindicar o direito à contaminação.
Desconhecem, por exemplo, que o Exército enviou ofício às prefeituras dos municípios do Rio de Janeiro, deve ter enviado para todo o país, solicitando que se fizesse um levantamento de dados estatísticos referentes a quantidade de cemitérios, disponibilidade de sepulturas e capacidade de sepultamentos diários em suas respectivas áreas de responsabilidades.
O Brasil se tornou um país surreal que me envergonha profundamente. Tenho piedade dos amigos e parentes que colaboraram em bloco, servindo de alicerces para que o nazifascismo erguesse suas paredes e muros em nosso terreno.