COMO DE FATO QUEREMOS ENXERGAR O MUNDO QUE TEMOS DIANTE DE NÓS?

Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de um hospital. Um deles podia sentar-se na sua cama durante toda uma hora, em todas manhãs para que os fluidos circulassem nos seus pulmões.

Sua cama ficava junto à única janela que havia naquele ambiente.

O outro não tinha tal privilégio: sua cama estava a alguns metros daquela abertura na parede.

Sem terem outra coisa para se fazer, aqueles homens conversavam por horas a fio, confinados que estavam naquele cubículo.

Falavam de suas famílias, de suas casas, dos seus empregos, de onde tinham passado as férias...

E todos os dias, quando o homem da cama perto da janela ali se sentava, ele passava algum tempo descrevendo para o seu companheiro de quarto, e de adversidades, todas as coisas que ele conseguia ver do mundo lá fora.

O homem da cama do lado começou, a partir de então, a viver à espera daqueles momentos, quando seu universo era alargado e animado por toda a atividade e cor do mundo visto por seu companheiro de infortúnio.

Segundo aquele magistral narrador das belezas externas, de onde se encontrava era possível ver um lindo lago com uma gigantesca montanha ao fundo. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braços dados por entre os canteiros de flores de todas as cores do arco-íris. Árvores centenárias e gigantescas acariciavam a paisagem, e uma tênue vista da silhueta da cidade podia ser vista no horizonte à direita das altas montanhas.

E as flores!

Ah, como eram lindas todas elas!!

Além disto duas vezes por semana, defronte daquela janela, alguns vendedores de flores se reuniam numa espécie de feira.

Rosas, violetas, orquídeas...

Orquídeas!! As mais belas de todas as flores!

Eram centenas delas. Todas de um colorido até difícil de se descrever.

Entretanto, o homem da cama próxima à janela, com uma maestria própria dos grandes pintores, fazia aquilo com uma precisão e generosidade incomuns.

E enquanto ele descrevia aquilo tudo com riqueza de detalhes, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava a pitoresca cena.

Certo dia foi a vez de ser descrito um grande desfile em comemoração ao aniversário da cidade. A multidão multicolorida passou defronte ao hospital, dando ainda mais vida a tudo lá fora.

Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, o que lhe pareceu estranho em princípio, ele conseguiu vê-la e ouvi-la em sua mente, enquanto o outro paciente a retratava por meio de palavras essencialmente descritivas.

***

Dias, semanas e meses se passaram.

Certa manhã, uma enfermeira chegou ao quanto dos dois enfermos trazendo água para o banho. Ao entrar encontrou o corpo sem vida do homem que ficava perto da janela.

Ele havia falecido calmamente enquanto dormia.

A enfermeira, muito triste, chamou os funcionários do hospital para que levassem embora o corpo do desafortunado.

Logo que lhe pareceu apropriado, o homem que havia continuado vivo perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela.

A enfermeira disse logo que sim, e ele para lá se mudou de imediato.

Depois de se certificar de que o homem estava bem instalado, a enfermeira deixou o quarto.

Lentamente, e ainda cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado nos cotovelos, com o objetivo de contemplar o mundo lá fora. Para isto fez um esforço sobre-humano para olhar para o lado de fora da janela.

Grande foi sua surpresa ao descobrir que do outro lado da abertura pela qual olhava, nada havia, além de uma imensa parede de tijolos.

Desolado, o homem chamou de volta a enfermeira e indagou quando aquele “muro” havia sido erguido ali.

A funcionária do hospital contou-lhe então que ele fora construído há mais de dez anos.

Desolado com a informação, o homem questionou então sobre os motivos que levara o falecido a descrever coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela.

A enfermeira, estupefata, respondeu que não fazia a menor ideia do que seu interlocutor estava falando. Isto porque o homem que fora seu companheiro de quarto era cego.

Analiamaria
Enviado por Analiamaria em 18/04/2020
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