DIAS MAIS DIFÍCEIS VIRÃO

O pouco que restar nas prateleiras, será proibitivo ao dinheiro escasso. Esta desgraça faz-me lembrar do final de 1963, inicio de 1964, quando vivemos dias difíceis, não passamos fome, mas o cardápio virou rotina mínima, nos sabores e quantidades, sem qualquer misturinha, assim comia-se o necessário, ninguém repetia.

Feijão, arroz de carreteiro de linguiça, as vezes refogado de couve, beldroega ou caruru, ora com ovo, ora sem. Vovó trazia-nos semanalmente, alguns ovos e pacotes de bolacha, que ela comprava na fábrica de massas e biscoitos Coroa, que existia na avenida Coronel Massot. As bolachas eram boas, mas vendidas por quase nada, numa enorme dila, pois vinham do refugo, do setor de embalagem, pois eram quebradas, algumas quase farelo. Interesseiro, corria para levá-la na parada do ônibus, sempre de olho, no Tamandaré que ela me dava, assim eu ficava abanado até que o ônibus se perdesse no cruzamento da Otto com Cavalhada, só então eu comprava um picolé de uva e saia feliz da vida. Outro dia, quase 60 anos depois, estive na mesma padaria, mas não vendem mais picolé.

Vovó, pessoa boa, que abdicou de qualquer regalia, para ajudar-nos, partiu cedo, prestes a tornar-se idosa.

Hoje dei uma percorrida na hortinha, abandonada depois da estiagem, algumas folhas de couve, uma dúzia de pés de caruru, muita cúrcuma, um pouco de gengibre, as últimas pencas de tomate cereja.

Olhei para meus braços enrugados e ressequidos, já sem a vitalidade dos meus oito anos, mas a vontade sim, a mesma daquele tempo, então amanhã arregaçarei as mangas e pelo menos um canteiro irei preparar, quem sabe, cenouras e beterrabas.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 17/04/2020
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