ROUSSEAU VERSUS PANDEMIA
Tive conhecimento da educação natural defendida por Rousseau ainda na graduação de Pedagogia, lá pelo final da primeira década deste século. Para ele, a criança deve seguir os rumos da natureza própria do ser humano. Ou seja, os adultos devem interferir o mínimo possível na formação dos pequenos. Nos primeiros cinco anos a criança deve manter contato com a natureza, quero dizer, meio ambiente e ser alimentado com leite materno. À época, entendi que essa era uma ideia ultrapassada, visto que habitamos um planeta de concreto e as mães não amamentam as crianças até os cinco anos por motivos diversos, dentre eles, o trabalho. O pai, principalmente, por vivermos em uma sociedade machista, ainda acredita que a educação dos pequenos é responsabilidade das mãe, uma vez que ele trabalha muito para sustentar a família.
É espantoso como as nossas certezas, verdades, opiniões podem mudar em um piscar de olhos. Às vezes, mesmo que queira manter o posicionamento de outrora, somos obrigados a abandoná-lo ou a reconsiderá-lo em nome do bem comum ou mesmo para continuarmos vivos. Exemplo disso é a situação que o Covid-19 impôs à sociedade. Ressalvados os diversos óbitos, claro, essa situação veia nos mostrar que o propósito da nossa vida aqui na terra não se restringe apenas ao lucro, à riqueza, ao egoísmo, ao individualismo. Anterior a tudo isso, somos humanos e, como tal, temos uma família, amigos, vizinhos e, para tornar a vida mais bela, a natureza embeleza nosso habitat com diversos arranjos como as plantas, as árvores, os animais, os insetos, as aves, enfim, um universo completo para nossa contemplação e felicidade. Mas, movidos pela engrenagem do capitalismo e pela utopia de querer sempre mais, esquecemo-nos de olhar o mundo que habitamos. Somos capazes de enxergar aquilo que ainda nem existe, mas não temos a sensibilidade de perceber a beleza a dança das borboletas, a avassaladora fome das lagartas que destrói uma horta em questão de horas, o canto dos pássaros no alto das árvores. Não percebemos a beleza em uma teia de aranha, aliás, nem percebemos as teias.
Esses dias em quarentena, todas as tardes eu meu pequeno - 2 anos – fazemos uma curta caminhada nos arredores de nossa casa – essa é uma regalia apenas para os moradores das pequenas cidades. Na verdade, não é uma curta caminhada, são momentos de descobertas e aprendizados. Acredite, sou eu que estou aprendendo com meu pequeno, aprendendo a observar a natureza e seu encanto. Nada passa pelos atentos olhinhos da criança. Ele não sabe se caminha ou se fica apenas contemplando o mundo a sua volta. Descobre as borboletas, tenta pegá-las, mas são muito rápidas. Descobre as lagartinhas, as flores, olha para o céu, vê os urubus voando de volta para suas dormidas. Volta a olhar para a vegetação que, devido à aproximação do inverno, já é exuberante e faz mais uma grande descoberta. Em uma teia, uma aranha devora sua vítima e mais à frente, um pequeno pássaro choca seus minúsculos ovinhos em um ninho bem frágil. Nada passa despercebido por esse pequeno observador. Nossas andanças só terminam ao escurecer e não andamos mais que 2 km por dia, mais estamos aprendendo muito sobre a vida. Estamos não, eu estou. Meu pequeno professor é excelente, tem me mostrado que a vida é incompleta sem as pequenas coisas e que há infinitos fenômenos acontecendo em torno de nós a todo momento. Concordo com alguns pressupostos de Rousseau sobre a educação natural e acrescento que, não só os pequenos devem viver em meio à natureza, mas todos nós dela nunca devemos nos afastar. Que não seja necessário outra pandemia para entendermos a importância das pequenos coisas em nossa vida.