A ciência de Jeca Tatu
Hoje lembrei do livrete do Jeca Tatuzinho, que acompanhou os vidro do Biotônico Fontoura, lá...bem lá quando comecei a ler. A história em quadrinhos bem colorida era tão próxima da minha realidade de vida e me assustava tanto, que acredito ser o que me influência até hoje a não andar descalço e ter o hábito de lavar as mãos com bastante frequência.
Mais tarde, quando passei a ser “ratinha de biblioteca”, fiquei sabendo que aquele livrete era inspirado no conto de Monteiro Lobato – Jeca Tatu escrito em 1918. Claro que não vou contar todo o conto pra vocês, mas o endereço está aí em baixo e digo que vale a pena ler.
A lembrança me veio por causa desse blábláblá sobre o usa-não-usa o medicamento Cloroquina contra a COVID-19.
Tem toda uma história sobre a ligação dos Jeca – Tatu e Tatuzinho e de Monteiro Lobato-escritor e Cândido Fontoura-Farmacêutico, mas pra mim, nesse momento de pandemia que estamos passando, o que me chama a atenção são algumas passagens do conto.
Jeca se sente tão mal que aceita o remédio e as orientações do médico que aparece na sua casa, mas não acredita que todo o mal é causado por uns bichinhos que lhe entram no corpo pelos pés. Jeca Tatu só acredita dos malefícios do seu descuido, quando o médico lhe mostra através da lupa e ele fica bem apavorado. O médico então lhe diz:
“Pois é isso, sêo Jeca, e daqui por diante não duvide mais do que a ciência disser.
Nunca mais! Daqui por diante nha ciência está dizendo e Jeca está jurando em cima! T'esconjuro! E pinga, então, nem p'ra remédio”
Ah a ciência, tão difícil de estudar na escola! Entendi um pouquinho mais da ciência médica quando fui trabalhar de empregada doméstica na casa de um clínico geral e via os livros enormes, na maioria escritos em inglês, que o homem ficava estudando depois que chegava do consultório. Certamente, para ver o tratamento a ser dado ou se tinha dado a medicação certa aos seus pacientes. Dessa experiência de vida, fiquei com a certeza de que não devo me automedicar, nunca. Tá bom, confesso que rola um dorflex quando a dor aperta, mas é só até chegar ao médico.
Então, estamos enfrentando nada mais nada menos que uma pandemia, de um vírus cujo estrago que causa no ser humano ainda é praticamente desconhecido. Eis que de repente vejo milhares de médicos especialistas, orquestrados, infelizmente, por quem deveria estar cuidando do povo, dizendo que já existe o remédio milagroso.
Me pergunto:
- as pessoas que já tomam esse tal remédio, por sofrerem com doenças crônicas, como lúpus e artrite reumatóide já estão imunes ao novo coronavirus?
- chegando em estado grave no hospital, haverá tempo de meus familiares avisarem, que sou alérgica a amoxilina ou ao AAS, por exemplo? E se esses medicamentos estiverem na fórmula do remédio milagroso?
- quem desses milhares de falsos médicos tem conhecimento científico, já viu através de um microscópio, já fez teste de fórmulas medicinais, já colocou um jaleco que seja legítimo?
- quem desses milhares de falsos médicos estão preocupados consigo e com seus familiares, quanto a preservação da vida? Se estão preocupados com os outros, não preciso nem perguntar...
Tomara que esse remédio seja mesmo milagroso, que salve vidas, mas eu não quero, mas não quero mesmo que ele seja usado em mim e nem em nenhum dos meus familiares, sem que seja por um médico de total confiança, que saiba o que realmente está fazendo. Não quero me deparar com um falso médico que venha fazer experiência vã com a minha vida e com a vida das pessoas que amo, só porque um bando de irresponsáveis orquestrados por um ser (sem predicado) acha que sabe mais que a ciência.
Quem sabe ao invés de ir atrás de remédio milagroso e dizer que o vírus está indo embora, que nosso país é imune porque se toma banho na lama...
Fiquei pensando que há um século atrás
Monteiro Lobato encerrou seu conto assim:
Meninos: nunca se esqueçam desta história; e, quando crescerem, tratem de imitar o Jeca. Se forem fazendeiros, procurem curar os camaradas da fazenda. Além de ser para eles um grande benefício, é para você um alto negócio. Você verá o trabalho dessa gente produzir três vezes mais.
Um país não vale pelo tamanho, nem pela quantidade de habitantes. Vale pelo trabalho que realiza e pela qualidade da sua gente. Ter saúde é a grande qualidade de um povo. Tudo mais vem daí.
Que Deus nos Proteja e a ciência se desenvolva!