Curado por Deus
Durante muito tempo tive dúvidas se queria um dia ser mãe. Mas, ao mesmo tempo que temia a maternidade, temia morrer sem deixar minha semente. Achava muito triste a ideia de morrer e não ter alguém para continuar minha história, minha descendência. Sempre tive muito medo de engravidar muito jovem, pois meu pai era bastante rígido com nossa criação. E isso me tolhia um pouco. Então, eu queria seguir o “script”: estudar, trabalhar, casar e ter filhos. E foi exatamente o que fizemos meu marido, Rogério, e eu. Assim, decidimos ter nosso filho depois de 14 anos juntos. Mas não foi tão simples assim essa decisão. É sobre essa história que pretendo contar.
Para começar, Rogério e eu viemos de famílias grandes para os padrões familiares atuais. E algo que considero bastante curioso é nossa composição familiar. Venho de uma família formada por 5 filhos: quatro mulheres e um homem. E meu marido, por outro lado, é de uma família de 4 filhos: três homens e uma mulher. Então, achava que seria lindo se tivéssemos um casal.
Casamos em São João de Pirabas, litoral do Estado do Pará, em 2013. No ano seguinte, meu marido começou a me pressionar, pois já iria completar 39 anos e queria ser pai antes dos 40. Só que meus planos eram outros, estava determinada a fazer mestrado. Minha determinação era tanta que, mesmo sendo indeferida minha inscrição na Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Belém, não desanimei. Informada por meu amigo (que estava me orientando) de que estavam abertas também as inscrições para a UFPA de Bragança, corri para realizar a minha (apesar de ter que recomeçar novas leituras, fichar novos textos e fazer um novo projeto!), pois tinha certeza que iria passar.
Mesmo me apoiando muito, meu marido insistia em termos um filho. E eu insistia em fazer o mestrado primeiro e depois teríamos o filho. Foi então que ele mexeu com meu brio: “Você não consegue realizar os dois?” Esse seu desafio, convenceu-me, apesar de sentir-me muito insegura. Fiquei receosa de não conseguir. Mas ele sempre me dava palavras de ânimo. E, no dia 05 de dezembro de 2014, recebi duas notícias positivas: estava grávida e aprovada no mestrado. E consegui passar pelos dois com louvor.
O início de minha gravidez, porém, não foi fácil. Nos três primeiros meses, tive um princípio de aborto. Corremos ao hospital e o médico disse que estava perdendo meu filho, passou uma medicação e recomendou que eu evitasse andar de bicicleta, de moto, subir escadas e o estresse. Nessa época, morávamos nos altos de um kit net, eu costumava pedalar e ir ao trabalho, de professora (um dos mais estressantes!), de moto. Então, precisamos alterar totalmente nossa rotina: nos mudamos para baixo, vendemos a moto e a bicicleta e solicitei uma licença de dois anos do trabalho.
Após o susto inicial, seguimos tranquilamente o restante da gravidez. Não tive enjoos, nem os famosos desejos. Fizemos todos os pré-natais. Sentimos a emoção de ouvir pela primeira vez o coraçãozinho de nosso filho. Seguimos à risca tudo o que foi solicitado pelo médico. Nossa única aflição era sabermos se seria menino ou menina e se seria uma gravidez de gêmeos ou não, pois a avó paterna do Rogério tivera duas gravidezes de gêmeos, inclusive a do próprio pai dele, meu sogro. Eu desejava muito que fossem gêmeos (“mataria dois coelhos com uma cajadada só!”) e, se fossem um casal, seria maravilhoso. Mas Deus sabe o que faz...
Ansiava por um meu parto normal. Mas, meu médico, achava melhor a cesárea. Assenti, porque já estava com 35 anos e não queria procurar outro médico. Então, ele pediu que agendasse com sua secretária para o dia 05 de agosto de 2015. Porém, ao solicitar a ela que agendasse no dia indicado pelo médico, ela disse que não daria, pois a agenda dele estava cheia para aquele dia. Assim, ela marcou para o dia 07.
Como estávamos no mês de julho, resolvemos viajar. Fizemos muitas estripulias. Fomos a Dom Eliseu (Região Nordeste do Pará) visitar um casal de amigos. Fomos, com eles ao Maranhão. Eles vieram conosco para o município de Salinópolis, conhecer a famosa praia do Atalaia. Fomos a Belém. De lá, eles retornaram para sua cidade e nós ficamos até o dia 05 de agosto, visitando nossa família, já que a cirurgia estava marcada somente para o dia 07. Viajaríamos pela manhã para irmos ao hospital, no município de Capanema (Região Bragantina do Nordeste Paraense), fazer minha internação.
Era madrugada e estávamos assistindo a uma luta na TV. Resolvi deitar-me para dormir e meu marido continuou assistindo a luta. Ao deitar, senti vontade de ir ao banheiro. Ao sentar no vaso, senti uma “cachoeira” descendo e soube logo o que estava acontecendo. Chamei meu marido e saímos correndo para a emergência do hospital, em Belém. Falei ao médico de plantão que desejava que o parto fosse normal. Ele me falou que o parto normal não era rápido igual aos das novelas, que demorava um pouco, cerca de 12 horas. Mesmo assim, quis tentar. Mas, depois de 17 horas tentando, desisti. E fizeram a cesariana.
Então, no dia 05 de agosto de 2015, tivemos nosso amado filho. E, antes dos 40 anos, meu marido pôde celebrar seu primeiro dia dos pais com o filho nos braços (Seu aniversário seria apenas quatro meses depois, em dezembro!).
Nosso filho nasceu saudável. Mas sem roupa, porque não estava com a mala dele comigo (Mãe de primeira viagem!). Para minha sorte, duas de minhas irmãs tinham roupas de bebês em casa, pois tinham filhos pequenos ainda. E, assim, o Rafa saiu do hospital vestido com uma roupa doada. Ficamos ainda um tempo em Belém a fim de me recuperar um pouco para poder voltarmos para casa (Afinal são quatro horas de viagem de lá para São João de Pirabas!). As tias, tios, avós, avô e primos que gostaram dessa decisão.
Nosso filho foi registrado com o nome de Rafael por dois motivos muito especiais. Primeiro, porque tinha que ser um nome com R, já que, do lado paterno de meu marido, quase todos os primos e primas iniciam com essa letra (inclusive ele próprio e seus irmãos e irmã!). Então, era importante para o Rogério manter essa tradição. E, como em casa não tínhamos esse tipo de tradição (os nomes são bem variados!), achei muito justo. Além disso, como era um menino, deixei por conta dele a tarefa de escolher o nome.
O segundo, e mais importante, motivo está relacionado com a etimologia. Gostamos de estudar etimologias de nomes próprios. É incrível como nossos nomes combinam com a gente! E queríamos um nome que combinasse perfeitamente com nosso filho. Havíamos pensado inicialmente em “Rogério II”, soaria bem imperial. Mas desistimos quando fizemos as ultrassonografias morfológicas, pois todas atestaram que nosso filho tinha dilatação nos ventrículos laterais do cérebro, podendo vir a desenvolver no futuro a hidrocefalia. Ficamos muito preocupados com a saúde dele. Então, meu marido resolveu colocar-lhe o nome Rafael, que significa “curado por Deus”. Achei lindo, pois essa é nossa grande esperança.
Nosso filho já vai completar 5 anos e parece ser bem saudável e “normal”. Acredito que tenha herdado a genética do pai e dos tios paternos (Todos cabeçudos!). Mas ainda precisamos realizar uma tomografia a fim de verificar como andam os ventrículos laterais de seu cérebro, o que ainda não conseguimos fazer por conta da correria do cotidiano (E, agora, da pandemia!).
Não posso mais ter filhos, pois tinha miomas desde os meus 28 anos, os quais, depois da maternidade, aumentaram bastante e precisei fazer uma histerectomia total. Mas agradeço muito a Deus pela insistência do Rogério em ser pai. Se não fosse por ela, teríamos esperado por mais dois anos e, talvez, tivesse perdido a oportunidade de ser mãe, de passar pelos conflitos (É impressionante como a maternidade nos deixa com medo da morte, ora temos medo de morrer e deixar o filho pequeno, ora temos medo de perder nosso filho!) e alegrias da maternidade (Nos surpreendemos a cada dia com a aprendizagem de nossas crianças!). Se não fosse por ela, meu filho não conheceria sua avó paterna, os dois amavam-se a tal ponto que, mesmo ele sendo ainda muito pequeno quando ela morreu (tinha apenas 2 anos!), ainda hoje ele lembra e chora por ela (Isso nos emociona bastante!). Se não fosse por ela, talvez minha cunhada não fosse tia, pois somente ela e o Rogério deram netos a minha sogra: três meninos. Se não fosse por ela, minha mãe não teria seu sexto netinho, equilibrando a descendência: três meninos e três meninas. Enfim, se não fosse pela insistência do Rogério, não teríamos nossa própria família e nosso lar não seria tão completo e feliz como hoje.