UM ILETRADO

Quando pegou o jornal pela primeira vez, tinha uns dezoito anos, data confirmada por algumas marcas numa árvore seca atrás da casa, onde o seu pai contava a idade do filho, dezoito traços sem dia certo.

Seu quintal era vasto, grande o bastante para não ver alguma cerca que separasse o terreno da imensidão do horizonte e pó.

Ele morava naquele sertão de terra árida e esqueletos de árvores.

Havia também alguns bois, silhuetas apenas, de tão magros.

Existia o seu cachorro; " O farinha " Ficava sempre deitado, num canto de chão batido, sempre de boca aberta; parecia salivar o dia inteiro o coitado.

Ou talvez nem salivasse!

Juvêncio Simplório, "um nome" Escolhido pelo pai.

Um dia foi alistar!

Chamada obrigatória para os jovens nesta idade em nosso país, era bem longe de onde vivia, léguas, nunca tinha ído para tão longe, no máximo 5 kilometros, para buscar água, num poço profundo de barro líquido para matar a sede.

Só via a transparência da água quando chovia; umas três a quatro vezes na vida.

Chegou na cidade embasbacado com tudo, mas guardou para si, tinha um embornal com roupa limpa e duas "tunas" Um fruto da palma forrageira, espécie de pão doce do sertão!

Chegou no lugar de alistamento, falava pouco, pelo pouco contato humano.

Um militar fardado, perguntou o que ele queria, então ele mostrou o registro de nascimento, desbotado de tanta poeira.

O soldado o compreendeu, pegou duas folhas impressas num pequeno mimiografo e entregou para ele, pediu para assinar, Simplório não compreendeu.

Não sabia ler nem escrever!

O homem percebendo, pegou uma caixinha de tinteiro e meteu os dedos de Juvêncio lá dentro, depois forçou no papel.

Juvêncio Simplório, acreditou que tinha escrito pela primeira vez.E era simplesmente a sua impressão digital.

Depois o levaram a uma sala ao lado, o puseram numa cadeira num canto da parede, tiraram uma foto, para anexar no papel!

Na verdade foram duas, para ser exato!

Uma ficou para Juvêncio, este ficou muito feliz em se ver no pequeno papel.

O homem disse que se precisasse; o chamaria novamente, Juvêncio concordou!

Seu endereço: Era a Caatinga e nada mais!

Antes de sair, ouviu um homem com um uniforme bonito, falar com o outro soldado:

Mais um analfabeto não é?

O subordinado respondeu:

Sim! "É um Iletrado "

Juvêncio ouviu a palavra, e expôs um sorriso tímido no canto da boca, ficou feliz, se sentiu importante;

"Um Iletrado"

Carregou este nome na mente, na volta pra casa até o final da vida, infelizmente nunca o chamaram ou chamariam, mas para Juvêncio pouco importava,ele só queria voltar pra casa, foi o dia mais importante da sua vida.

( Do seu livro: Textos Avulsos)

( Autor: George Loez)

George Loez
Enviado por George Loez em 14/04/2020
Código do texto: T6916658
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