BIEL... BRIANA (e a hora da música lenta)
Briana rodava, rodava, e rodava… e Biel era um como um livro na estante. Um livro com uma barba por fazer, um livro magro, um livro tímido, muitas vezes invisível. Na verdade, era um livro com papéis em branco. Briana conseguia fazer aquela “coisa” de mexer a barriga musculosa, morena, exposta, suada, em várias direções do pequeno salão onde as pessoas dançavam. Biel conseguia subir e descer o braço em movimentos de bicadas em goles de conhaque que ele fingia bobamente ser uísque… e ele conseguia acompanhar os passos e molejos daquela moça de origem brasileira e mexicana... como se fosse um filme em câmera lenta.
Ele observava todos os quadros, num magnífico “Making of” de uma garota de cabelos cacheados e longos numa roupa de “baianinha”, branca com uma saia minúscula, girando e dançando e espantando – vez ou outra – com gestos furiosos os abutres em formato de gente que se aproximavam tentando lhe seduzir.
A música acalmou… ela se sentou numa cadeira na mesma mesa que ele, só porque era a única cadeira vazia no local. Biel fez um gesto de quem procurava algo que não existia, em todos os lugares possíveis a sua volta.
- non sei porr-quê músicas lentas, ow! - Bradou se estirando na cadeira e alongando… - Biel agiu como se a conversa não fosse com ele (e na verdade não era ainda, tecnicamente). Deu um gole mais longo e intenso no líquido amarronzado no copo.
- NÃO É MESMO??? PARA QUÊ? - E soltou um sorriso que Biel estava muito acostumado de ver. Eles se conheciam de vista… frequentavam os mesmos lugares, mal se falavam. Ela mal sabia seu nome. Biel agora era um livro com o título, ainda sem nada escrito… no título dizia: “O que você acha do que acabei de dizer?”.
- Há quem goste. - Ele disse num tom frio, porém com um sotaque preguiçoso e amistoso de Feira de Santana.
- QUEM vai curtir dançar isso?
- “ISSO” é “Where do you Go to My Lovely”! É um verdadeiro CLÁSSICO... As pessoas dançavam músicas assim, no passado… ou porque fazia frio e elas queriam se agarrar… ou porque não era legal abraçar desconhecidos em bares, sem motivo nenhum.
O sorriso da garota pareceu abrir um pouco mais, numa risada meio embriagada, porém sincera (ela riria mesmo se estivesse sóbria). O efeito das caipirinhas era meio imperceptível numa mulher que “gastava” tanta energia dançando… mas estava ali.
- É por isso que você nunca dança? - Perguntou, piscando o olho com sarcasmo. Mas Biel era bom em respostas rápidas. Isso é um forte de quem está sempre observando demais. E também de quem acredita não estar nunca dentro de jogo nenhum… Por acreditar que está sempre perdido.
- É… Eu fico esperando a hora da música lenta e ela nunca vêm. Tipo uma debutante.
- Quer dizer “quinceañeras”? - perguntou Briana se apoiando na mesa com o cotovelo e pondo a mão delicadamente no queixo. Antes disso fez um ligeiro sinal pra que o garçom lhe trouxesse uma água. Ela pareceu muito interessada na próxima bobagem engraçadinha que Biel estava prestes a dizer.
- Não exatamente… Seria esquisito se meu pai aparecesse aqui com uma imagem da Santa Guadalupe na mão e depois a gente brincasse de “Piñata”…
- Outra gargalhada. “Where do you Go to My Lovely” era uma música lenta e linda, porém curta... como tudo que é realmente bom na vida.
Uns quatro minutinhos que Biel (em seu exagero romântico e embebedado de conhaque barato) afirmava dentro de sua cabeça que eram os quatro minutinhos mais felizes de sua vida. O livro de sua vida agora tinha um título e algum pouco dialogo… e descrições de sorrisos, gargalhadas diversas e troca de olhares.
- Veja, sua “música lenta” foi responsável pelo esvaziamento do bar! - Briana apontou com a garrafinha d’água para o salão vazio... Com o DJ sentado e bocejando no fundo. Eram mais de três horas da manhã.
- É um superpoder que eu tenho… As pessoas ficam com sono se eu abrir a boca por motivos que não sejam comida e bebida.
- Você faz os outros rirem se fazendo de “pobrecito”, hã?
- … outro poder. - Ele riu sem graça… e ela também. Mas um silêncio se fez.
Por dentro Biel se sentiu realmente um pouco “pobrecito”. Como se um sentimento viesse no formato de uma agulha fininha e espetasse seu peito. E logo depois dessa visgada ele fosse bombardeado pelo pensamento realista de que voltaria sozinho (como todos os dias) pra casa, independente do que dissesse àquela garota.
Briana se levantou num “já volto!” quase inaudível, sem nem olhar pra trás… Pegou a direita e sumiu entre amigos e amigas e gritos de alegria, energia, falsidade (?), tudo o que realmente importava num lugar como aquele.
Biel olhou o copo… De repente o conhaque pareceu muito mais sem sentido do que antes… que já era BASTANTE sem sentido. Tudo agora vinha acompanhado de um “o que eu estou fazendo aqui?” e ele queria se levantar e ir embora… mais precisamente ser teletransportado pra casa… mais precisamente voltar ao passado e nunca ter saído do aconchego do quarto. Mas, foi interrompido bruscamente por uma outra canção que ele adorava chamada “I Have to Say I Love in a Song”.
- Uau… - Ele fez enquanto se debruçava sna mesa, cansado e meio triste… Cantarolando o refrão da música.
- EII!!
Levantou a cabeça assustado… era Briana. Ela estava rindo e dançando lentamente, segurando-se e abraçando-se e gargalhando como quem dança – muito desajeitadamente – com alguém. Biel continuou rindo. Briana fez um sinalzinho com o dedo chamando-o pro salão e ele tentou até dizer que não… com um gesto negativo com as mãos.
- Eii!! É a hora da música lenta! PODE VIR. - Ela berrou... E andou… - na verdade foi praticamente pulando – em sua direção e agarrando-o pelo braço.
Os dois dançaram a música lenta todinha e o DJ se levantou… Olhando sorrindo pros dois garçons que já estavam começando a limpar as mesas e eles riram também. Um casal mau humorado (pois tinham brigado na metade da festa e estavam brigados desde então) se levantou e pôs-se também a dançar. A mulher deixou escapar uma lágrima descendo pela bochecha e o homem deu um sussurrado pedido de desculpas. O beijo do casal antecedeu o beijo de Biel e Briana… Numa festa de debutante que eles comemoram todos os anos... no mesmo dia e no mesmo lugar.