O CAFÉ DE LEONOR
Mais um domingo de Páscoa em nossas vidas.
Abril/2020.
Totalmente atípico em função desta famigerada pandemia que tem causado angustia e tantos transtornos em nossas vidas.
No vai e vem dentro desta casa, em que pese o espaço amplo de um quintal à minha disposição, inevitável é a monotonia.
Em condições normais, estaria eu a fotografar os plátanos da rua Santa Bertília na bucólica e poética Riozinho, um bairro distante de onde moro.
Polaca, a minha cara metade, fez pães caseiros na tarde de ontem.Numa de minhas incursões à cozinha, decidi tomar um café, com pão caseiro, evidentemente.
Sentado ao redor da mesa, proxima à janela ,a mansidão azulada de abril descortinava-se aos meus olhos. Algumas roupas no varal, a roseira (que denomina-se “de maio”, abrindo-se precocemente num rosa esmaecido,pés de lavanda,de gerânios, o gato do vizinho enovelado sobre o telhado da garagem,enfim...Vidas pulsando lá fora e eu, como que fora um viajante embarcado num vagão de trem, sigo bebendo o licor da paisagem nesta viagem sem destino certo.
De repente, a dupla pão & café, remetem-me a um tempo longínquo:
Final dos anos 60 – 1968, para ser mais preciso.Eu estudava à noite.A distância em que morávamos e a não existência de meios de locomoção, obrigaram-me a pernoitar por alguns anos na casa de parentes.
Nem preciso mencionar que ali encontrei o meu segundo lar.Era uma família grande e a convivência com primos e primas,supriam-me as carências do filho único que fui.
Assim que acabavam as aulas, por volta de 23:00 horas, eu atravessava a cidade a caminho do meu segundo lar.
Dona Leonor tratava-me com carinho de mãe e havia sempre um café quentinho e pão caseiro à minha espera.
E nestes meus trajetos...
Haviam noites de silêncios entrecortados por cantigas de boêmios na rua da estação,um e outro trem de carga imergindo das sombras,insensível aos fantasmas das lembranças acenando na plataforma.
Noites de chuvas mansas choramingando pelos telhados,silêncios maculados por coaxares em meio aos copos de leite.
Noites de luares prateados emoldurando espectros a cruzar a ponte do rio das Antas,e o cheiro das acácias dizendo de setembros mornos .
A Santa na incansável posição de mão acolhedora à tudo assistindo e...protegendo.
Fingindo não ver as madrugadas que traziam Orlando (e sua tosse persistente) com um recortezinho do último filme que passara no cinema local.
Aquelas madrugadas!...
Que teciam brumas em ruas de paralelepípedos para a jovialidade do “Dito”, retornando da banca de revistas e seu calhamaço de “Grande Hotel”,”Capricho”,”Sétimo Céu”,e outras ,todas fresquíssimas!
Ao redor do fogão a mansidão de dona Leonor discorrendo sobre o último capítulo de “Rosa Rebelde”.
O café alimentando o corpo.A ternura de Leonor... alimentando o espírito .
As manhãs abrindo-se com sóis que pediam passagem às últimas neblinas ao pé da serra.
Dona Mercedes,à caminho da padaria, sempre a primeira a abrir um sorriso de bom dia.
As rosas vazando pelos desvãos das cercas de ripas e a vida seguindo seu tranco.
Agora este café com gosto de saudades, estas rosas à minha frente, tais como aquelas que floresciam ao redor das cercas de ripas naquela casa um tanto desengonçada à visão dos passantes,mas recheada dos mais puros afetos.
O sofá vermelho, as cadeiras dispostas ao longo da sala...
A TV “Empire, de válvulas ! Sobre a mesinha.Jamur Junior e Laís Man encerrando o jornal da noite pela TV Iguaçu.
Meus primos e eu, tagarelando. A dona da casa, meio sonolenta alisando a gatinha de estimação.
Um café reforçado no quase início de madrugada - marca registrada de Leonor e seu carinho de mãe -
Expectativa !
Ia começar o seriado do “General Custer”, sucesso de audiência no programa que encerrava as atividades da emissôra.
Atenção redobrada. Silêncio na sala.
Este inesquecível comercial repetindo-se todas as noites, até que o general e suas intermináveis batalhas com os índios dominassem a telinha.
Ei-lo !
Alguém se lembra ?
https://www.youtube.com/watch?v=Oi-pyzleilM&feature=share&fbclid=IwAR2qMbYktTT1Zh64tuN0QmKuPNUhA0IPJOVEwsYqomeFxngRij9vPzgkqFc
Mais um domingo de Páscoa em nossas vidas.
Abril/2020.
Totalmente atípico em função desta famigerada pandemia que tem causado angustia e tantos transtornos em nossas vidas.
No vai e vem dentro desta casa, em que pese o espaço amplo de um quintal à minha disposição, inevitável é a monotonia.
Em condições normais, estaria eu a fotografar os plátanos da rua Santa Bertília na bucólica e poética Riozinho, um bairro distante de onde moro.
Polaca, a minha cara metade, fez pães caseiros na tarde de ontem.Numa de minhas incursões à cozinha, decidi tomar um café, com pão caseiro, evidentemente.
Sentado ao redor da mesa, proxima à janela ,a mansidão azulada de abril descortinava-se aos meus olhos. Algumas roupas no varal, a roseira (que denomina-se “de maio”, abrindo-se precocemente num rosa esmaecido,pés de lavanda,de gerânios, o gato do vizinho enovelado sobre o telhado da garagem,enfim...Vidas pulsando lá fora e eu, como que fora um viajante embarcado num vagão de trem, sigo bebendo o licor da paisagem nesta viagem sem destino certo.
De repente, a dupla pão & café, remetem-me a um tempo longínquo:
Final dos anos 60 – 1968, para ser mais preciso.Eu estudava à noite.A distância em que morávamos e a não existência de meios de locomoção, obrigaram-me a pernoitar por alguns anos na casa de parentes.
Nem preciso mencionar que ali encontrei o meu segundo lar.Era uma família grande e a convivência com primos e primas,supriam-me as carências do filho único que fui.
Assim que acabavam as aulas, por volta de 23:00 horas, eu atravessava a cidade a caminho do meu segundo lar.
Dona Leonor tratava-me com carinho de mãe e havia sempre um café quentinho e pão caseiro à minha espera.
E nestes meus trajetos...
Haviam noites de silêncios entrecortados por cantigas de boêmios na rua da estação,um e outro trem de carga imergindo das sombras,insensível aos fantasmas das lembranças acenando na plataforma.
Noites de chuvas mansas choramingando pelos telhados,silêncios maculados por coaxares em meio aos copos de leite.
Noites de luares prateados emoldurando espectros a cruzar a ponte do rio das Antas,e o cheiro das acácias dizendo de setembros mornos .
A Santa na incansável posição de mão acolhedora à tudo assistindo e...protegendo.
Fingindo não ver as madrugadas que traziam Orlando (e sua tosse persistente) com um recortezinho do último filme que passara no cinema local.
Aquelas madrugadas!...
Que teciam brumas em ruas de paralelepípedos para a jovialidade do “Dito”, retornando da banca de revistas e seu calhamaço de “Grande Hotel”,”Capricho”,”Sétimo Céu”,e outras ,todas fresquíssimas!
Ao redor do fogão a mansidão de dona Leonor discorrendo sobre o último capítulo de “Rosa Rebelde”.
O café alimentando o corpo.A ternura de Leonor... alimentando o espírito .
As manhãs abrindo-se com sóis que pediam passagem às últimas neblinas ao pé da serra.
Dona Mercedes,à caminho da padaria, sempre a primeira a abrir um sorriso de bom dia.
As rosas vazando pelos desvãos das cercas de ripas e a vida seguindo seu tranco.
Agora este café com gosto de saudades, estas rosas à minha frente, tais como aquelas que floresciam ao redor das cercas de ripas naquela casa um tanto desengonçada à visão dos passantes,mas recheada dos mais puros afetos.
O sofá vermelho, as cadeiras dispostas ao longo da sala...
A TV “Empire, de válvulas ! Sobre a mesinha.Jamur Junior e Laís Man encerrando o jornal da noite pela TV Iguaçu.
Meus primos e eu, tagarelando. A dona da casa, meio sonolenta alisando a gatinha de estimação.
Um café reforçado no quase início de madrugada - marca registrada de Leonor e seu carinho de mãe -
Expectativa !
Ia começar o seriado do “General Custer”, sucesso de audiência no programa que encerrava as atividades da emissôra.
Atenção redobrada. Silêncio na sala.
Este inesquecível comercial repetindo-se todas as noites, até que o general e suas intermináveis batalhas com os índios dominassem a telinha.
Ei-lo !
Alguém se lembra ?
https://www.youtube.com/watch?v=Oi-pyzleilM&feature=share&fbclid=IwAR2qMbYktTT1Zh64tuN0QmKuPNUhA0IPJOVEwsYqomeFxngRij9vPzgkqFc