Sonho

Eu cheguei ao prédio em que morava, era por volta de 20h. Ao entrar avistei sr. José, o porteiro.

— Oi, Zé. Foi o que lhe disse.

— Oi Maria! Como está?

— Bem e o senhor? E a família, como vai?

— Estamos bem, graças ao criador!

Acenei e segui meu destino. Entrei no elevador e apertei o botão do meu andar, era o 11° (décimo primeiro). Cheguei ao meu apartamento e deixei minha mochila, peguei um caderno e uma caneta e comecei a escrever algumas coisas, não sabia bem o que era, porém, quando terminei, parecia uma carta, mas não era uma carta comum, era de despedida.

“Hoje ao acordar, não me senti a mesma pessoa, não me senti a mesma mulher, me senti mais incompleta do que nunca. Talvez seja melhor pôr um fim logo em tudo isso. A seguir virão as pessoas das quais me despeço e peço perdão por tamanho egoísmo, mas só eu sei a dor que eu sinto.

• Mamãe, primeiramente, saiba que eu a amo como jamais poderia imaginar, jamais poderia descrever, dizer ou expressar tamanho amor. Peço que me perdoe, não queria lhe fazer sofrer, mas está muito difícil seguir. Venda este apartamento e use o dinheiro para viajar.

• Pessoa n° 2, meu irmão de alma, peço perdão a ti também, sabe o quanto te amo e o quanto sinto sua falta, falta das nossas aventuras. Te desejo um amor que traga de volta aquele sorriso resplandecente que iluminava tudo. Leve os livros de Vinícius de Moraes, o violão e os meus últimos poemas escritos, quero que sejam seus. Eu te amo, amigo.

• Pessoa n° 3, a ti não pedirei perdão agora, tenho algumas coisas a dizer, serei breve, prometo. A ti deixo os girassóis e as rosas da varanda, deixo, também, meu coração com todo amor que há dentro dele e os versos que a seguir virão.

Por tanto tempo te amei

Por tanto tempo comigo guardei

Não tive coragem de dizer

Por isso preferi esconder

Vi você em outros braços

Vi você em outros laços

Tantas lágrimas derramei

Por tanto tempo comigo guardei

Em meus braços te acolhi

Quando outros te feriram por aí

Meu coração se partia quando chorava

Mas eu não podia dizer que te amava

Tantas vezes chorei

Por tanto tempo comigo guardei

Quando você sorria

Meu mundo se iluminava

Até o sol se ofuscava

Você era a estrela que mais brilhava

E por tanto tempo comigo guardei.

Te desejo toda felicidade do mundo, você merece muito mais. Agora sim vou te pedir perdão, fui medrosa por um longo tempo e por medo de perder você, preferi não dizer tudo que sinto, mas não me arrependo, pelo menos tive ótimos momentos com você em minha vida. Perdão pelo meu egoísmo e saiba que jamais existiu outra mulher em minha vida desde que eu me peguei apaixonada por você. Sempre sorria, por favor, seu sorriso será minha lanterna quando estiver escuro. Eu te amo.”

Deixei o caderno e a caneta sobre a mesa, caminhei até a cozinha, me servi uma taça de vinho, peguei uma vasilha com água e fui regar as plantas na varanda. Observei-as por um instante, aqueles girassóis tão lindos. Uma lágrima escorreu, procurei ignorar o choro engasgado, virei à taça de vinho de uma vez, voltei para dentro, olhei aquele ambiente do qual tanto gostava, mas nunca me senti em casa. Nunca senti que fosse meu lar. Respirei fundo, fui até a cozinha e me servi outra taça, mais uma vez a virei. Pousei a taça dentro da pia, vinho de volta a geladeira, chegou a hora de subir mais alguns andares.

Saí do apartamento fechando a porta atrás de mim, chamei o elevador, por incrível que pareça, não demorou muito e logo chegou. “– A morte também tem pressa.” Pensei.

Entrei no elevador, apertei o botão do 22° (vigésimo segundo) andar, o último. Havia uma senhora lá dentro, estava com algumas sacolas, ela ia parar no 16° (décimo sexto) andar: “– Vou ajudá-la.” Pensei. Quando chegamos no 15° (décimo quinto) andar, eu a olhei com um sorriso triste no rosto e perguntei:

— A senhora me permite ajudá-la?

— Não precisa, moça, eu dou conta sozinha.

— Ah, por favor, eu faço questão. Não me custa nada ajudá-la. Além disso, a senhora está com seu cãozinho.

— Então eu lhe agradeço, viu?!

Enquanto conversávamos o elevador parou e eu a ajudei com as sacolas, entrei em seu apartamento e coloquei as sacolas na cozinha, antes de sair ela me abraçou, me beijou e disse que o mundo precisava de mais pessoas como eu. Sorri para ela, outro sorriso triste, a agradeci pelas palavras doces, fiz um carinho no lindo cãozinho e então saí.

Chamei mais uma vez o elevador e, por sorte não demorou novamente. Parecia que realmente a morte tinha pressa. Entrei, apertei o botão do 22° (vigésimo segundo) andar e fui rumo ao meu destino final. Pensando nas palavras daquela senhora, fiquei com certa dúvida, será que se caso ela soubesse tudo que sinto e o que pretendo fazer, ainda diria aquilo? Acho que não.

Quando o elevador parou e eu saí, avistei a porta para as escadas no final do corredor. Caminhei até a porta normalmente, tudo estava normal, com as mãos nos bolsos da calça, pensamento longínquo, abri a porta, subi os degraus, abri a porta para o terraço.

Pronto, estava no meu último cenário, olhei em volta, até que era legal, eu costumava subir para olhar o céu, para beber na companhia da lua e para apreciar a chuva no outono e o frio no inferno. Coloquei novamente as mãos nos bolsos, chovia um pouco, olhei para cima sentindo a chuva, fechei os olhos e guardei aquele momento dentro de mim. Senti meu celular vibrar, não o tirei para ver o que era e apenas caminhei até a beira, subi na mureta e me sentei. 22 andares é bem alto, mas altura sempre me atraiu, quando olhei para baixo, sorri. Peguei meu celular, havia uma mensagem de Pessoa n°3, ela sempre sentiu através de mim, na mensagem dizia:

“-Você está bem? Sumiu o dia todo. Me dá notícias, por favor. Não estou com uma sensação boa, vou passar aí. Posso passar aí? Preciso ver você, saber que está tudo bem.”

Toda vez que ela agia assim, eu me confundia inteira, não sei o que ela sente, mas ela namora, não tem condições, é só amizade. Não respondi, fiquei ali sentada mais um instante, pensei em ligar para as três pessoas mais importantes da minha vida, mas não havia tempo e nem razão para isso. Apenas coloquei um “Me perdoa. Eu te amo.” e enviei para eles. Logo depois enviei outra mensagem ao meu irmão de alma dizendo que o celular estaria no terraço do prédio e ele sabia o que fazer. Não esperei nenhuma resposta, deixei o celular sobre a mureta, fechei os olhos e desejei ter asas para bater e voar, mas a única coisa que podia voar era minha imaginação e no momento em que encontrei o chão, meu amor voou até os que eu amava.

C. Leite

C Leite
Enviado por C Leite em 12/04/2020
Reeditado em 17/04/2020
Código do texto: T6915239
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