“O MUNDO AINDA TEM MEDO DE JESUS”
“O amor é forte como a morte. As muitas águas não poderiam apagar este amor; nem os rios afogá-lo”
(Cânticos de Salomão).
Claudinho Chandelli
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Que inspiração estranha! “O mundo ainda tem medo de Jesus”. Como assim? E Por quê?
Essa frase é um dos versos de uma das mais lindas composições do repertório sacro brasileiro: Um Certo Galileu (Pe. Zezinho/1975).
A canção fala de um certo jovem Galileu que, com “seu jeito simples de conversar, tocava o coração de quem o escutava; seu jeito amigo de se expressar
enchia o coração de paz tão infinita”, e “seu jeito puro de perdoar fazia o coração voltar a ser criança”.
De forma meio melancólica, no entanto, o autor conclui: “Mas o mundo ainda tem medo de Jesus, que tinha tanto amor”.
Que deprimente!
Como alguém pode ser morto por demonstrar “excesso de amor”, inclusive pelos que se declaravam seus inimigos? Mas aconteceu.
Jesus viveu em uma época de reis tiranos, imperadores opressores e líderes religiosos hipócritas, manipuladores e exploradores.
Na época e local em que Jesus viveu, os conflitos de toda natureza – étnicos, religiosos, políticos, ideológicos, econômicos, sociais... – eram uma constante. Troca de acusações (mesmo entre patrícios e até familiares), cultivo de ódio, desejos de vingança e vários tipos de opressão de classes sobre classes... tudo isso era muito frequente. Em regra, valia a famosa lei da selva: vencia o mais forte, o mais poderoso, o que tinha o melhor exército, a melhor condição econômica e as melhores influências políticas. Mudou muita coisa?!
Por que, então, um simples jovem, filho de camponeses, sem instrução acadêmica, sem pertencer (em tese) a nenhum tipo de elite... não comandou exército, não se filiou a nenhuma agremiação de classe ou política... e ainda assim, arrebatou multidões de seguidores, assombrou governantes e incitou tanto o ódio contra si a ponto de levar inimigos históricos a se unirem (embora ocasionalmente) para, através de sua execução, interromper sua trajetória?
É muito curioso e, ao mesmo tempo, frustrante e angustiante, observar que, o tempo passa, as pessoas mudam, mas as circunstâncias permanecem. Por mais estranho e absurdo que pareça, hoje, uma das coisas que mais assusta e incomoda as pessoas – inclusive milhões de cristãos – é a ideia de um mundo sem classes, sem valorações étnicas, econômicas, de gênero, de nacionalidade, religiosas, ideológicas... ou um mundo onde essas posições ou preferências não passem apenas disso: posições e preferências; um mundo onde o valor da espécie, por ser o que é (humana) esteja acima de qualquer outro valor; um mundo onde a felicidade do outro me interessa mais do que a confissão religiosa, a opção sexual ou a filiação partidária, por exemplo. Por que isso incomoda tanto tanta gente, em especial tantos religiosos?!
Será que essa utopia causa tanta intriga por guardar algumas semelhanças com o perfil e o comportamento dAquele Certo Galileu ou isso não passa de mera coincidência?
Por que o amor continua amedrontando tanto?
Há uma curiosidade a respeito da composição da música-título dessa crônica que só descobri ao pesquisar, agora, enquanto a escrevo: a 5ª estrofe foi acrescentada ao poema 34 anos depois (em 2009), pelo próprio autor.
A motivação (para o acréscimo) teria sido exatamente superar o tom melancólico que a canção acabava por transmitir ao encerrar (4º estrofe) com a morte de Jesus. Então, atendendo a pedidos, Pe. Zezinho acrescentou a 5ª estrofe, onde consta que “Vitorioso, ressuscitou / Após três dias, à vida Ele voltou / Ressuscitado, não morre mais / Está junto do Pai, pois Ele é o Filho eterno / Mas Ele vive, em cada lar / E onde se encontrar um coração fraterno”. E, como um cristão confesso, eu diria: “Aleluia! Amém!”
Muito bom saber dessa inspiração “tardia” do Pe. Zezinho!
A Bíblia, livro sagrado dos cristãos (e, em parte, dos muçulmanos e judeus), afirma que “Deus é amor” (I Jo. 4: 8.) e que Jesus é Deus (Jo. 1:1). Por silogismo simples, segue-se que: se “Deus é amor”, e “Jesus é Deus”, logo Jesus é amor; e se Jesus não morre, logo o amor também nunca morrerá; ou, como afirma Salomão: “(...) O amor é forte como a morte (...). As muitas águas não poderiam apagar este amor; nem os rios afogá-lo” (Cantares 8: 6 , 7).
Dizem que o amor é cego. Eu contesto! Cego é o ódio, que não consegue enxergar a beleza da diversidade, a necessidade vital do diferente, a complementariedade das posições opostas e o equilibro, tão necessário à vida, possibilitado pelos paradigmas rivais.
O amor nunca foi cego. Ele apenas ignora o que não convém (pra si, pra outrem ou pra ambos) explicitar.
Enquanto o ódio sempre separou, o amor sempre uniu; enquanto o ódio ergue muros, o amor constrói pontes; e onde o ódio fecha janelas, o amor segue abrindo portas.
Enfim, quando, duramente açodado pelas angústias naturais do existencialismo humano, o homem se encerra em uma fortaleza de frustrações e põe ao redor de si um muro de incertezas, ódio e medo do próprio homem, é hora de construirmos outras saídas: o afeto sincero certamente é uma dessas.